Juliana Alves é um rosto conhecido da televisão brasileira, mas não tanto como deveria. Já foi a Dinha em “Cheias de Charme”, Selma em “Chocolate com Pimenta” e agora Wanda em “Amor Perfeito”. Em entrevista ao Mundo Negro, a atriz relembrou sua trajetória na dramaturgia, que mesmo com uma carreira considerada de sucesso, ainda está em busca de papéis que possa demonstrar sua versatilidade e profunidade artística.
“Ter construído uma história, onde eu tive um contrato de 2007 a 2020, é uma grande vitória. Isso eu conquistei com muita dedicação, muito trabalho e também reconheço que isso é algo muito valoroso. Mas eu não me sinto totalmente contemplada dentro das minhas expectativas e não me sinto totalmente realizada no que diz respeito a reconhecimento porque eu gostaria de ter sim uma quantidade de trabalhos onde eu pudesse desenvolver mais minha arte e pudesse mostrar mais versatilidade, trazer mais profundidade nas minhas construções artísticas. (…) Eu me sinto muito grata por todos os trabalhos que tenho feito, mas sim, eu busco ainda, com 20 anos de carreira, um reconhecimento maior pelo meu trabalho.”, comentou.
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Durante seus 20 anos de carreira, Juliana Alves batalhou para superar o racismo no audiovisual, mas muitas vezes se sentiu boicotada e desencorajada nas produções. “O exemplo de solicitar para fazer um teste de uma produção que tinha ficado sabendo e aí ser informada que já tinham uma atriz negra fazendo aquela produção, então isso seria um impedimento para eu inclusive fazer um teste (…) Eu me sentia sozinha no sentido de que artistas negras não eram muito encorajadas”, comenta a artista.
Mas durante essa busca, 2023 se mostrou ser um ano de muita gratidão em relação ao trabalho e suas escolhas. Ela desfilou no Carnaval, participou da “Dança dos Famosos”, está em “Amor Perfeito” e no recém lançado “Um ano Inesquecível – Primavera”. “Esse ano mostrou para mim que essas escolhas que eu fiz não são escolhas fáceis, mas são escolhas que me trazem realmente uma sensação de que estou mais viva e mais forte do que nunca.”
Uma das poucas atrizes negras em uma época em que produções recusavam e boicotavam negros, hoje em dia ela luta para garantir seu espaço, mas também de outras mulheres e homens negros. “Eu hoje vejo que a troca entre nós, que muitas vezes fomos incentivados a nos afastarmos, tem acontecido cada vez mais e a gente está cada vez mais fortalecida e mais unidas. Então nenhum passo para trás. Hoje eu tenho muito mais força. Sem alardes, nas estranhas, ali nos bastidores, eu consigo fazer muita coisa que antes eu não conseguia transformar. Isso me traz muita força artisticamente também.”
Confira a entrevista completa:
Como está sendo a experiência de voltar para as novelas atuando em “Amor Perfeito”? Para você, há muita diferença entre o mundo das novelas para o mundo dos streamings?
Eu vejo sim algumas diferenças nas experiências que eu tive de trabalho nos streamings em relação as novelas. Acho que hoje existe uma tendência de desconstrução de algumas relações de trabalho e de repensar, mudar um pouco o ponto de vista em relação as histórias das novelas. Mas de uma maneira geral eu percebo que os conteúdos de streamings estão mais antenados com as coisas que estão acontecendo no mundo, como forma de narrativas diferentes e desde a criação das histórias, escolha do elenco, até mesmo as relações de trabalho existe alguns cuidados em relação de termos um ambiente mais saudável no ambiente de trabalho e também ter uma responsabilidade social maior com as pautas que hoje a gente tem pra transformar esse mundo em um lugar mais justo, mais democratico e melhor.
O que acontece é que o mercado está muito dinâmico e os profissionais se revezam muito entre estar na tv e estar no streaming. Então cada vez mais eu acredito que essas diferenças tendem a diminuir. Tenho esperanças que isso aconteça.
Você possui muitos anos de carreira na TV e participou de uma época que não havia muita representatividade negra. Como é voltar agora em um momento em que pessoas negras estão ganhando mais protagonismo e atenção? Você sente que há muita diferença desde a sua primeira novela?
Sim, no início da minha carreira eu me sentia muito sozinha nas produções. Eu já falei sobre isso algumas vezes em algumas entrevistas sobre o exemplo de solicitar para fazer um teste de uma produção que tinha ficado sabendo e aí ser informada que já tinham uma atriz negra fazendo aquela produção, então isso seria um impedimento para eu inclusive fazer um teste, ter alguma possibilidade de entrar para produção. Isso era algo dito sem nenhuma restrição porque era a forma de pensamento predominante da época. Eu me sentia sozinha também no sentido de que artistas negras não eram muito encorajadas, até por questões de possíveis represálias e possíveis restrições de trabalho, elas não se encorajavam muito. Ou a própria imprensa também não trazia esse assunto de maneira tão frequente de falar sobre questão racial e todas as problemáticas que a gente vem tendo ao longo dos anos, mas que na época era pior sobre racismo. Já teve situação de eu receber advertência e falarem: ‘você é uma atriz que fica falando de racismo e não é pra você ficar falando sobre isso porque você tem que aproveitar a oportunidade que você está tendo; As outras atrizes não ficam falando sobre isso da maneira que você fala; Você não pode acusar aquele que te emprega’. Mas a gente hoje entende que antes não existia tanta autocrítica da parte das empresas de que existe um problema sério estrutural que precisa cada vez mais melhorar. Vem melhorando com os anos, mas precisa cada vez mais melhorar.
Após 20 anos da minha primeira novela, que era uma novela de época, hoje faço uma novela de época que tem uma abordagem muito diferente com relação as pessoas negras. Essa novela que faço agora, existe um olhar sobre as pessoas negras mais atento, não se inviabiliza mais essas pessoas que existiam e tinham diversas funções na sociedade. Hoje se entende que existia sim, por menor que fosse a quantidade, pessoas negras que conseguiram ter algum tipo de ascensão social. Mostrar essas pessoas é uma forma de inspirar e transformar cada vez mais a realidade. A minha personagem, por exemplo, é uma personagem maravilhosa, à frente do seu tempo, que inspira outras mulheres, extremamente elegante e que ousa em romper os padrões sociais. Então sim, eu celebro este momento, mas com muita atenção. Essa construção foi uma construção de autoria e direção da novela, ainda temos muito a melhorar, principalmente com a diversidade das pessoas negras em protagonismo. Eu celebro essa conquista, que foi uma conquista de muitos anos, muita luta de movimentos negros, de artistas insatisfeitos que se reunem pra estabelecer estrategias e códigos de conduta para ir rompendo essas barreiras. Foi um movimento que foi suado, mas conseguimos. Mas celebro com muita atenção porque ainda temos uma longa jornada pela frente, ainda vivemos muitos problemas estruturais e temos que ter muita consciência de que a gente tem que utilizar essa esperança que vem dessas mudanças para continuar construindo uma história mais justa para a população negra.
Você participou de muitas novelas que são amadas até hoje pelos brasileiros, “Chocolate com Pimenta”, “Caminho das Índias” e “Cheias de Charme”. Você acha que vem recebendo o reconhecimento que merece por seus trabalhos?
Em relação ao meu reconhecimento eu faço algumas ponderações. Eu tive ao longo da minha carreira muitas oportunidades de trabalho e poucas oportunidades de personagens diferentes. Muitas vezes mais lembrada por uns personagens do que por outros. Alguns personagens tiveram mais espaço nas tramas do que outros. Eu não tive um ano na minha vida, a não ser no início da minha carreira, por volta de 20005/2006, que foi um ano de investimento e estudo, falta de trabalho. Nos anos seguintes eu sempre estive envolvida com algum trabalho na dramaturgia e isso eu considero uma carreira de sucesso porque no quadro que nós temos no Brasil anteriormente, principalmente falta de oportunidade para atrizes negras, eu ter construído uma história, onde eu tive um contrato de 2007 a 2020, é uma grande vitória. Isso eu conquistei com muita dedicação, muito trabalho e também reconheço que isso é algo muito valoroso. Mas eu não me sinto totalmente contemplada dentro das minhas expectativas e não me sinto totalmente realizada no que diz respeito a reconhecimento porque eu gostaria de ter sim uma quantidade de trabalhos onde eu pudesse desenvolver mais minha arte e pudesse mostrar mais versatilidade, trazer mais profundidade nas minhas construções artísticas. Isso eu entendo que é algo que eu ainda tenho diversas possibilidades de conquistar e continuo trabalhando por isso. Eu me sinto muito grata por todos os trabalhos que tenho feito, mas sim, eu busco ainda, com 20 anos de carreira, um reconhecimento maior pelo meu trabalho.
Esse filme que a gente lançou agora recentemente foi um trabalho que me trouxe bastante esperança nesse sentido de construções de trabalhos com uma consistência diferente. Eu tive a oportunidade de representar uma família negra muito bem equilibrada, consolidada e feliz com todos os problemas que as famílias têm de uma maneira que eu ainda não tinha tido oportunidade de vivenciar. Essa personagem, a Ingrid, foi muito importante para mim como artista.
2023 tem sido um ano de retorno para você. Desfilou no Carnaval pela Unidos da Tijuca, está na novela “Amor Perfeito”, na “Dança dos Famosos” e recentemente no terceiro filme de “Um ano Inesquecível” entre outros projetos e vida pessoal. Como tem sido o desafio de dar conta de tudo?
Certamente esse ano de 2023 está sendo um dos anos mais importantes da minha vida por tudo que eu tenho vivenciado e por todos os desafios que eu tenho enfrentado ao vivenciar coisas que eu desejei tanto na minha vida. Coisas que realmente me realizam quanto ao profissional, mas ao mesmo tempo me trazem grandes desafios porque não depende única e exclusivamente do meu desejo, da minha conduta. Esse ano mostrou para mim que essas escolhas que eu fiz não são escolhas fáceis, mas são escolhas que me trazem realmente uma sensação de que estou mais viva e mais forte do que nunca.
Acho que estou dando conta (risos), mas entendo também a importância do respeito a nossa verdade, respeitar nossos princípios e as coisas que a gente acredita. Porque de todos os desafios que eu enfrentei esse ano, teria sido muito mais fácil se eu tivesse esquecido de defender aquilo que eu acredito e como fiz questão de defender o que acredito as coisas não se tornaram mais fáceis assim. Então eu saio mais fortalecida por ter conseguido realizar coisas. Fazer isso com o sentimento de missão comprida e principalmente com esperança que a gente vai ter dias melhores
Como mulher negra e mãe, quais são os desafios que você enfrenta dentro do audiovisual?
Os desafios são bem estruturais e outros também [são] questões muito particulares. Eu enfrento os desafios, desde a forma que as pessoas enxergam a mulher negra. É um trabalho que depende muito de um público e muitas vezes as pessoas que tomam as decisões não estão conscientes e antenadas no investimento que a gente tem que fazer para transformar esse imaginário popular. Requer um investimento, requer desconstruir os padrões e realmente que a gente construa uma contribuição de um imaginário através do investimento e fortalecimento das mulheres negras nas próprias produções. Que a gente possa exaltar, apoiar e amparar mulheres negras nas produções. Eu desde, por exemplo, na dramaturgia, um texto que eu receba, que muitas vezes eu preciso dialogar com mais escuta sobre a forma de fazer aquele texto, sobre posicionamento de câmera e principalmente nas representações muitas vezes machistas e racistas que a gente tem da relação dos personagens. Eu vejo uma ampliação muito grande das possibilidades, eu vejo um cenário muito mais rico e esperançoso e, contraditoriamente, vejo pessoas que utilizam das pautas para manipular cenários e acabar transitando e perpetuando o racismo. A gente precisa ser muito atento e muito forte para enxergar essas ciladas que a gente pode entrar de reiterar e acabar apoiando um comportamento hipócrita e oportunista. Hoje, em 2023, há muita gente falando de racismo, então é mais comum ver esse tipo de coisas acontecendo. E ao mesmo tempo eu vejo um cenário que me traz um pouco mais de alento quando vejo uma união maior das nossas irmãs e irmãos também em prol dessa melhoria de condições.
Eu hoje vejo que a troca entre nós, que muitas vezes fomos incentivados a nos afastarmos, tem acontecido cada vez mais e a gente está cada vez mais fortalecida e mais unidas. Então nenhum passo para trás. Hoje eu tenho muito mais força. Sem alardes, nas estranhas, ali nos bastidores, eu consigo fazer muita coisa que antes eu não conseguia transformar. Isso me traz muita força artisticamente também.
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