Com a propriedade de ter se tornado dona de mais de 1.6 bilhão de streamings, indicada a Grammy Latino, apontada Mulher do Ano (GQ Magazine), Iza acaba de lançar, em todas as plataformas digitais, o single de estreia do seu segundo álbum, previsto para o próximo semestre. “Gueto é uma forma de celebrar da onde eu vim. Não é sobre ostentação,mas sobre ocupação. Ser a mina preta da zona norte estando em vários comerciais onde eu nunca tinha visto uma mina preta antes”. Essas são as primeiras falas da cantora carioca sobre seu mais recente lançamento: o clipe do single ‘Gueto’. A letra inicia com um aviso que se reflete na força da canção e da fala da artista: `Olha quem chegou/ É fogo na babilônia/Trajada de amor/ Só pra te causar insônia”. Iza é uma das poucas cantoras no país que consegue causar frisson antes de um novo lançamento, como uma Rihanna brasileira.
O clipe de ‘Gueto’ não economiza nas cores, na celebração da cultura urbana e das lembranças da cantora. “Eu queria muito desenhar esse gueto colorido que existia na minha cabeça e que existe, sabe? Eu sou de Olaria, Zona Norte do Rio de Janeiro e eu lembro de um gueto colorido, bem cuidado, um gueto onde a gente não tinha medo de andar na rua, que é de lei a gente fechar a rua no domingo, a gente nem precisava avisar a prefeitura, era só passar a cordinha que não passava nem caminhão. Era uma vontade grande de mostrar esse lugar, tornar esse lugar lúdico”, explica a cantora que busca com a produção do clipe evocar lembranças de bairros onde as pessoas viveram.
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Iza tem alçado vôos altos desde que lançou o álbum “Dona de Mim” (2018), mas sem perder de vista a origem que lhe catapulta para o salto. “Esse sentimento de pertencimento das pessoas significa ter orgulho de onde eu vim, significa que sim, brota ouro da onde eu vim, significa mostrar que o que mais faz sucesso nesse país veio do gueto, sim. A gente pode não se ver na TV, mas o que as pessoas têm consumido veio desses lugares. Então é sobre isso, né? A gente faz parte de tudo e deveríamos ocupar mais”, diz, também lembrando que celebrar as origens é colocá-la em espaços antes negados.
Na semana passada, a Revista Time publicou um artigo em que elegia Iza como um dos ícones da nova geração. A publicação rasgou elogios à postura da cantora sobre temas importantes como representatividade e posicionamento frente ao racismo no Brasil. “Sou formada em Comunicação e a cabeça explode quando você ganha uma indicação como essa. Eu me sinto muito feliz. A gente costuma dizer que não trabalha para ganhar prêmio, nem nada, mas é óbvio que quando a gente recebe um tapinha nas costas desse, dizendo que a gente está no caminho certo, tudo muda e é dessa forma que vejo. É muito lindo e me sinto abençoada por receber esse reconhecimento. Principalmente num momento que é tão difícil fazer arte, sabe?”, diz a cantora que continua: “Eu queria muito que as pessoas entendessem que não é legal ser exceção. Eu não quero que as coisas sejam assim. É a primeira vez que fico falando de mim na música, mas não é sobre essa coisa do primeiro lugar, de ser eu. É sobre a questão mesmo de abrir as portas para tanta gente incrível que faz diferença na arte do país, que é vetor, sim, de mudança na arte do país e não tem lugar, não tem visibilidade. Então é muito legal quando a gente recebe uma nomeação como essa porque tudo quanto é dúvida que a gente tenha na cabeça acaba sendo sanada, principalmente quando não temos contato com público que é quem abraça a gente quando a gente está precisando”, termina.
Iza é articulada e firme como nem sempre se vê entre artistas de longo alcance na música brasileira. Fala de forma clara, concisa, mas sem esvaziar discursos e explicações. É de se esperar que o jeito de se expressar na fala esteja também na nova canção e nas poses confiantes da superprodução do novo clipe. Para o novo álbum, que ainda não teve todas as faixas decididas, a cantora promete dancehall, R&B, Rap e trap, formando a caldeira musical que já estava presente no debut de 2018. O próprio single lançado é uma pontinha do que virá e a julgar pela produção, não será menos impactante para a cena musical que o disco anterior.
A entrevista ocorreu dias antes de polêmicas sobre a obrigação ou não de haver posicionamento político de pessoas públicas. Como uma profecia, houve resposta a uma questão sobre levantar pautas. “Eu sou a bandeira. Eu estar ali sentada no horário nobre. Eu já estou falando muita coisa só de estar ali ocupando, sabe? Eu acabo falando de racismo e essas coisas porque são coisas que eu vivi e faz parte da vida de todos os brasileiros, então não tem como fugir disso. Seria muita hipocrisia da minha parte. Não é proposital. É o que eu sei falar de verdade. Eu vou trazer as minhas vivências e infelizmente estaremos sofrendo racismo até lá e a gente vai continuar falando sobre isso até isso mudar”, reflete a cantora que entende que sendo suas músicas feitas para um recorte específico da população já está enviando uma mensagem.
Na condição de artista enclausurada por conta da pandemia, a cantora diz ter lidado com questões que havia protelado, tornando esse novo registro algo mais pessoal e biográfico que os trabalhos anteriores. De encontro às suas raízes e ciente de exaltar a ancestralidade negra, Iza reflete: “Não tem muito como eu falar para onde estou indo se eu não souber da onde vim. A gente se perde pelo caminho se não soubermos da onde a gente veio. Por isso é muito importante fincar muito o pé no chão, nas suas raízes e deixar claro para as pessoas que nossa trança tem muita história para contar. Isso é muito mais que um estilo”.
Já chamada de Beyoncé brasileira, Iza não esconde a inspiração na cantora norte-americana soltando um “amém” ao citar o nome da diva pop. “Ela me inspirou muito a falar de onde eu vim, me encorajou muito a falar de onde eu vim e eu acho que isso é mágico, sabe? A libertação de você querer falar quem é, de querer falar para o mundo quem você é. Isso é mágico. Espero que meu trabalho tenha o impacto assim na vida de alguma pessoa porque com certeza o trabalho dela me impactou bastante, me inspirou a continuar procurando uma voz minha”, afirma a intérprete de “Pesadão”.
Iza fala com sorriso aberto ao lembrar que nos shows a faixa etária abrange desde crianças até idosos. A cantora também mostra consciência de que sua visibilidade sendo mulher negra de pele escura ainda não significa que os padrões de representatividade sejam os ideais. Iza lembra que faltam mulheres negras gordas com visibilidade. “Muitos que vieram antes da gente estão trabalhando para abrir as portas e agora a gente tem que trabalhar para ‘arregaçar’ as portas e deixar aberta. A gente precisa trazer as pessoas para onde a gente está”, discursa com assertividade. “Uma vez que você é exceção, eu falo isso para os artistas. Uma vez que você conseguiu furar o bloqueio, você tem obrigação de trazer gente com você. A gente precisa ser vetor de mudança”, aponta.
“ Eu canto a minha vida inteira que nem uma louca. Desde criança em casa. Por que eu só tive coragem de me expor com 25? Muito provavelmente porque eu nunca me vi na TV. Porque quem eu via era completamente diferente de mim. Porque eu achava que não dava. Tem uma hora que você acha que não dá mesmo. Se você não se vê nos lugares, você vai achar que não dá! Isso precisa mudar. Quando lancei ‘Pesadão’ as pessoas comentavam que só tinha negro no clipe e eu vou colocar só negro até as pessoas pararem de cometar e acharem normal isso. A gente tem obrigação de trabalhar essa ocupação!”. crava Iza em palavras que soam ainda mais forte olhando para os olhos determinados da cantora.
Nas últimas semanas surgiu um boato sobre uma possível parceria com Sam Smith, já que ambos colocaram o mesmo tema da foto ao mesmo tempo em suas redes sociais, mas Iza diz que foi apenas um delírio coletivo, embora tenha gostado da ideia. “O homem vai pensar que eu estou stalkeando ele. Todo mundo marcando o homem porque brasileiro não tem limite. Foi uma grande coincidência, que eu amei, mas foi só uma grande especulação. Ainda sobre possíveis parcerias, Iza diz que está conversando com Ludmilla, que na sua opinião é a maior cantora negra do país.
O clipe foi gravado em São Paulo e no Rio de Janeiro. A rua que aparece no vídeo de ”Gueto” foi construída em uma antiga fábrica de São Paulo para evitar aglomerações possíveis de se usar em uma rua de verdade, enquanto a parte da Igreja da Penha utilizou a locação real. Com a pandemia, Iza estuda soluções audiovisuais para entregar conteúdo aos fãs já que não fará shows em 2021 por conta da pandemia. Na última quinta-feira, Iza realizou a maior live de sua carreira, como exemplo de alternativas para divulgar o trabalho.
Ao se despedir da equipe de jornalistas presentes na coletiva, a cantora agradeceu nome por nome,dizendo que sabe o quanto o trabalho da imprensa é importante nessa ponte com os fãs, ainda mais em tempos de reclusão e expôs o coração deixando cair lágrimas. “Muito obrigada pelo carinho gente. É TPM, meu deus”, brincou.
Se o próximo disco vier com toda a alma que a cantora demonstra, toda a ansiedade se justifica. Confira o clipe:
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