“IMC foi pensado para homens brancos europeus”, nutrólogo explica mudanças no critério para diagnóstico de obesidade

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“IMC foi pensado para homens brancos europeus”, nutrólogo explica mudanças no critério para diagnóstico de obesidade
Foto: Divulgação

No dia 14 de janeiro, a The Lancet Diabetes & Endocrinology publicou um artigo escrito por uma comissão internacional de especialistas sugerindo que médicos adotem novas definições e critérios para o diagnóstico da obesidade, doença que afeta 1/8 da população mundial de acordo com o estudo. Até então, o Índice de Massa Corporal (IMC) era o recurso utilizado por médicos para determinar se o paciente tinha obesidade ou não.

“O Índice de Massa Corporal (IMC) foi criado no início do século XIX pelo matemático e estatístico belga Adolphe Quetelet, como parte de seus estudos sobre o “homem médio”. Ele foi pensado para homens brancos europeus, ignorando diferenças raciais, de composição corporal e de gênero. Desconsidera fatores como massa muscular, densidade óssea e distribuição de gordura, o que frequentemente leva a diagnósticos imprecisos, especialmente em pessoas negras e mulheres.”, explicou o nutrólogo Dr. Gilmar Francisco em entrevista à editora-chefe do Mundo Negro, Silvia Nascimento. O cálculo do IMC é feito através do peso dividido pela altura ao quadrado. Quando o resultado é maior do que 30, os médicos costumam determinar que o paciente sofre com obesidade.

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A proposta da Comissão também apresenta duas novas categorias de obesidade: a clínica e a pré-clínica. A obesidade clínica é definida como uma condição associada a sinais e/ou sintomas objetivos de redução na função dos órgãos, ou uma capacidade significativamente diminuída de realizar atividades diárias padrão, como tomar banho, vestir-se, comer e controlar a continência, diretamente devido ao excesso de gordura corporal.

Pessoas com obesidade clínica devem ser consideradas como portadoras de uma doença crônica em andamento e receber manejo e tratamentos adequados. Para que essa condição seja diagnosticada, a Comissão estabelece 18 critérios de diagnóstico para adultos e 13 para crianças e adolescentes, incluindo: 

  • Falta de ar causada pelos efeitos da obesidade nos pulmões; 
  • Insuficiência cardíaca induzida pela obesidade; 
  • Dor nos joelhos ou quadris, com rigidez articular e redução da amplitude de movimento, como efeito direto do excesso de gordura corporal nas articulações;
  • Certas alterações ósseas e articulares em crianças e adolescentes que limitam o movimento; 
  • Outros sinais e sintomas causados por disfunções de órgãos como rins, vias aéreas superiores, sistemas metabólicos, nervoso, urinário, reprodutivo e linfático nos membros inferiores.

Já a obesidade pré-clínica é uma condição de obesidade com função normal dos órgãos. Portanto, pessoas vivendo com obesidade pré-clínica não apresentam doenças em andamento, mas têm um risco aumentado de desenvolver obesidade clínica e outras doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, certos tipos de câncer e transtornos mentais. 

No entanto, vale ressaltar que a obesidade pré-clínica não significa, necessariamente, que a pessoa vai desenvolver obesidade no futuro, mas que ela possui um risco aumentado, seja por questões genéticas ou do próprio fenótipo da pessoa, ou seja, ela é grande fisicamente, mas não apresenta disfunção de órgãos e nem outra doença ligada ao excesso de gordura.

 “Os critérios mais detalhados para o diagnóstico de obesidade podem ajudar a combater preconceitos ao reconhecer que a obesidade é uma condição multifatorial e que a saúde não se define exclusivamente pelo peso corporal ou pelo IMC. O uso exclusivo do IMC muitas vezes desconsiderava as características corporais de mulheres negras, como maior densidade de massa magra, levando a diagnósticos imprecisos e reforçando estigmas”, detalhou o Dr. Gilmar Francisco.

Em junho de 2023, o Conselho de Ciência da Associação Médica Americana publicou um relatório que apresentava um parecer favorável para uma nova política de avaliação de peso e saúde nos Estados Unidos, desencorajando o uso do IMC. O relatório argumenta que o índice não considera diferenças étnico-raciais, além de ignorar fatores como a distribuição de gordura corporal e variações de idade e sexo.

A cantora e atriz Queen Latifah já falou sobre o impacto do IMC em sua vida. Durante sua participação no programa ‘Red Table Talk’, em 2022, ela contou sobre quando recebeu um diagnóstico de obesidade. A artista havia contratado uma profissional para auxiliá-la em rendimentos nutricionais, e a avaliação incluía uma análise do IMC: “Ela ficou me mostrando diferentes tipos de corpo, até ela chegar ao IMC e declarar que eu me enquadrava na classe de obesidade”, contou em conversa com Jada Pinkett Smith. As duas discutiram os padrões sob os quais o índice foi criado e como ele desconsidera fatores importantes na saúde.

O Dr. Gilmar Francisco explica que novas definições contribuem para diagnósticos mais precisos e para diminuição do estigma associado ao peso corporal, beneficiando a população negra. No entanto, ele alerta que desigualdades estruturais podem dificultar o acesso a tratamentos avançados: “A Semaglutida (Wegovy) e a Tirzepatida (Mounjaro), drogas essas que têm um valor expressivo, chegam com facilidade às mãos da elite, e cujo acesso é inalcançável à maior parte da população negra pelos custos elevados. Sem políticas públicas de acesso ao tratamento a partir dessa consagração da obesidade enquanto doença que pode não depender apenas do peso seguiremos com diagnóstico e discriminação, uma vez que a resolução que é o tratamento não chega à população negra”, finaliza.

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