
Eu me chamo Laís Gomes, tenho 38 anos, voo desde os 18 e, internacionalmente, desde os 26. Sou jornalista, profissão que me faz viajar de avião constantemente e, ainda assim, foi a primeira vez que vi um piloto negro. Na verdade, toda uma tripulação. Esse foi meu primeiro impacto ao chegar à África do Sul. E essa sensação de primeiras vezes seguiu ao longo da viagem. Assim como a sensação de pertencimento.
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Foi a minha primeira vez na África, mas a sensação era de volta. De reencontro com velhos amigos, porque o povo sul-africano é extremamente gentil, prestativo e curioso em saber mais sobre as pessoas e o mundo.
Foram só dois dias em Johannesburgo, antes de ir para Cape Town, que equivaleram a uma faculdade de história. Da história que a história não conta, como cantou a Mangueira em 2019. Escolhi fazer os passeios sem agência, encontrando guias locais. O primeiro, Lungsta, nos conduziu por seu lugar: Soweto, uma periferia habitada por mais de 2 milhões de pessoas, onde aconteceu um fato que eles contam e recontam para que não se repita e não se esqueça.
E se eu te disser que uma linha, e não falo de uma linha imaginária, mas física, cortava Soweto em dois lados, onde brancos e pretos não podiam se misturar? Pisei e cruzei a linha várias vezes, meio inconsciente, até perceber o que e por que estava fazendo aquilo. Tudo isso enquanto escutava nosso guia contar a história de 16 de junho de 1976, quando crianças e adolescentes protestavam pacificamente, com cartazes, contra consequências do Apartheid, como a superlotação das escolas para negros e a proibição do ensino de sua própria língua, o bantu.
Eles foram recebidos por uma tropa de choque que respondeu com tiros e matou um adolescente de 13 anos, Hector Pieterson, que saiu carregado nos braços pela irmã. O registro foi capturado por jornalistas locais que acompanhavam a manifestação disfarçados e publicado no dia seguinte nos jornais. Hector virou símbolo da “revolta de Soweto”, que teve mais de 600 mortos e marcou para sempre a história daquele lugar.






Me perguntei diversas vezes como eu nunca tinha ouvido falar dessa história na escola, em reportagens, vídeos ou podcasts. E então segui para a casa de Nelson Mandela e do reverendo Desmond Tutu, também no bairro, aprendendo mais sobre os heróis daquele país.
Visitei ainda o Museu do Apartheid, que já impacta na entrada separada para brancos e não brancos, e que conta, em detalhes, a história do regime separatista que durou até 1984 e cujo reflexo permanece não só em Johannesburgo, mas em todo o país.
Conheci também o Constitution Hill, complexo histórico que inclui uma cadeia onde ficaram presos políticos como Mandela e Gandhi. É de embrulhar o estômago. O mais impressionante é que não estamos falando de 100 ou 200 anos, mas de 45.
Apesar das mazelas, me encantou o que eles carregam: havia sorriso, alegria, orgulho, muito orgulho dos seus cabelos, da sua história, de quem são. E havia também a esperança e a certeza de que eles jamais serão colonizados novamente.
O que os meus olhos viram em Johannesburgo eu jamais vou esquecer.
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