Texto e entrevista: Luís Lisboa
Muitas mentes criativas negras articuladas para um marco importante: a reabertura do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), em Salvador (BA). A exposição “Um Defeito de Cor” estreia na cidade para celebrar a retomada do Muncab, localizado no Centro Histórico da capital baiana, após a instituição passar por um período de três anos com as portas fechadas. A temporada da exposição segue até o dia 03 de março de 2024.
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Eleita “exposição do ano”, em 2022, quando estreou no Museu de Arte do Rio (MAR), “Um Defeito de Cor” é baseada no livro homônimo de Ana Maria Gonçalves, que assina a curadoria ao lado de Marcelo Campos e Amanda Bonan. A reabertura do Muncab, na segunda-feira, 06 de novembro, integra a programação do “Novembro Salvador Capital Afro”, uma iniciativa da Prefeitura de Salvador.
Mais de 100 artistas da Bahia, Maranhão, Rio de Janeiro e países do continente africano participam com instalações, telas, fotografias, esculturas, vídeos, tecidos, textos e muitas expressões artísticas. A expografia está dividida a partir dos capítulos do livro “Um Defeito de Cor” e acolhe os visitantes em um convite a mergulhar na narrativa, dilatando a experiência literária para várias plataformas de arte.
Para marcar essa chegada, o dia de reabertura contou com uma roda de conversa com Ana Maria Gonçalves, mediada pelo pesquisador e gestor cultural Chicco Assis. O livro da mineira completa 17 anos, e teve nova edição recém-lançada com ilustrações da artista visual Rosana Paulino.
Narrado em primeira pessoa, a história acompanha a saga de Kehinde, uma mulher africana separada da sua irmã gêmea, escravizada no reino africano de Uidá e trazida para o Brasil, onde desenrola o enredo da sua vida. A história da protagonista é associada a Luísa Mahin, mãe do advogado, jornalista e abolicionista Luiz Gama.
MARCO LITERÁRIO – A autora conta para o Mundo Negro que recebeu o conselho de um amigo: “vá buscar suas coisas onde suas coisas estão”. Assim, foi possível mergulhar no universo histórico da experiência de pessoas negras trazidas à força para o Brasil, criando um enredo rico de referências históricas e subjetividades negras e femininas. “Ele se referia a criar um universo que você entenda as leis e, assim, povoá-lo com pessoas interessantes. Esse é um método que funcionou para mim. E o caminho que eu fiz para chegar até lá, mas não existe fórmula”, detalha.
Para ela, a pessoa autora tem que sumir e deixar que o livro seja uma intermediação entre ele e o leitor. “Eu peguei a voz da minha avó contando histórias durante a minha infância. O ritmo do livro lembra os causos contados por ela. Os ganchos, as iscas, são fruto desse processo”, completa.
Ana Maria viveu em Salvador e na Ilha de Itaparica durante o processo de escrita de “Um Defeito de Cor”, período que ajudou a dar mais corpo à pesquisa para construir a saga de Kehinde. “Eu andava pela cidade, pelo Pelourinho, no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, procurando casas para os personagens. Fazia desenhos. Pensava: ‘aqui é a casa de determinado personagem’.”
Nesse processo, ela conta que não conseguia parar de pesquisar. “Minha mãe disse: ‘vem para cá. Você tem casa, comida e roupa lavada, você só precisa me deixar ler’. Aí eu pensei: pronto, é isso!”.
Toda a imersão para criar uma das obras mais importantes da literatura brasileira foi um processo de descoberta pessoal para Ana Maria Gonçalves. “Um Defeito de Cor” foi seu letramento racial. “Com ele eu entendi que sou negra, mesmo sendo mais clara. Durante a escrita, também me achei no candomblé”.
A trajetória de escrita também a fez repensar a documentação histórica sobre pessoas negras e os marcadores sociais que a compõem. “A literatura que eu faço, do ponto de vista acadêmico, é feminina, feminista, negra. Mas eu quero que seja também universal. Esses temas não podem ficar restritos à comunidade negra. Os nossos documentos somos nós. Sobre nós, por nós, para nós, mas que fure a bolha, e chegue à pessoa branca.”.
Por isso, Ana Maria compreende a ancestralidade como atualização de conhecimento. “Ancestralidade não é passado. Ancestralidade é fonte. Fonte que não para de jorrar”.
Confira as fotos da exposição “Um Defeito de Cor”
SERVIÇO
Exposição “Um Defeito de Cor”
Curadoria: Ana Maria Gonçalves, Marcelo Campos e Amanda Bonan
Onde: Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab)Rua das Vassouras, nº 25 – Centro Histórico (Salvador, BA)
Quando: 06 de novembro de 2023 até 03 de março de 2024
Visitação: terça a domingo, das 10h às 17h (acesso até às 16h30)
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) – Obs: até o dia 12 de novembro, o acesso é gratuito
Mais informações: @muncab.oficial | museuafrobrasileiro.com.br
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