As recentes polêmicas envolvendo racismo e assédio moral no Governo Federal têm colocado em evidência a fragilidade das políticas de igualdade racial e de gênero. No centro das controvérsias, o Ministério das Mulheres e o Ministério da Igualdade Racial enfrentam críticas que questionam o comprometimento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com as pautas do Movimento Negro.
No Ministério das Mulheres, as denúncias de racismo e assédio moral apontam para um ambiente de trabalho insustentável, especialmente para mulheres negras. Segundo reportagem do Alma Preta, uma servidora foi alvo de racismo em uma reunião conduzida pela secretária-executiva Maria Helena Guarezi, que teria solicitado que a funcionária Carmen Foro se sentasse porque seu cabelo crespo estaria “atrapalhando a visão”.
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O incidente foi confirmado por testemunhas presentes e escancarou a deslegitimação das pautas raciais no interior da pasta. Além disso, comentários recorrentes, como “de novo isso de racismo?” e “já vem essa de mulher negra”, contribuíram para a criação de um ambiente tóxico, no qual o assédio moral se naturalizou.
O silêncio da ministra Cida Gonçalves em relação ao episódio de racismo foi interpretado como um sinal de conivência com a conduta de sua secretária-executiva. Segundo a mesma reportagem, nenhuma ação foi tomada para repreender Guarezi, apesar de a ministra ter sido informada sobre o caso. O ambiente de trabalho tornou-se ainda mais insuportável após a exoneração de Carmen Foro, que, em agosto, foi dispensada enquanto estava afastada por motivos de saúde.
Em uma gravação obtida pela reportagem do Alma Preta, Gonçalves sugeriu que as servidoras ligadas a Foro também poderiam ser exoneradas, aprofundando o clima de instabilidade e insegurança dentro do ministério. O resultado foi a saída de 59 funcionários desde o início da gestão, segundo levantamento do Diário Oficial da União, o que rendeu à pasta o apelido de “Ministério do Assédio”.
As consequências psicológicas desse ambiente foram profundas. Funcionárias relataram crises de ansiedade, burnout e afastamentos por problemas psiquiátricos, como confirmado pelos relatos ao Alma Preta. Muitas afirmaram que o tratamento dentro do ministério era mais duro do que durante o governo Bolsonaro, quando a pasta estava sob a coordenação de Damares Alves.
Paralelamente, o Ministério da Igualdade Racial também enfrenta pressões, desta vez vindas do próprio Movimento Negro. Um grupo de dez entidades enviou uma carta ao presidente Lula, criticando a gestão da ministra Anielle Franco. As críticas incluem o que consideram um “apagamento da participação social” na formulação de políticas de igualdade racial e a exclusão do Movimento Negro desses debates. A carta também menciona atrasos em temas como a ampliação das cotas raciais e a realização da 5ª Conferência Nacional de Igualdade Racial, além da falta de investimento em políticas para comunidades quilombolas.
O descontentamento foi ampliado pela demissão de Yuri Silva, ex-secretário do Sinapir, que, segundo as entidades, foi uma das lideranças mais representativas do Movimento Negro no governo. Para as organizações que assinam a carta, incluindo a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e a Coordenação Nacional de Entidades Negras, essas demissões são um reflexo do afastamento entre o governo e as demandas históricas do movimento.
Anteriormente, essa insatisfação culminou em outra manifestação significativa: representantes de 87 terreiros de candomblé enviaram uma carta ao presidente Lula, criticando a atuação de Anielle Franco e do MIR em relação às políticas para o segmento. Esta carta, que se destaca por ser a primeira crítica formal recebida pelo governo federal sobre a condução da pasta, evidencia um descontentamento que se acumula entre os grupos que representam as tradições afro-brasileiras.
Os terreiros afirmam que a política do MIR tem sido marcada por descaso e desarticulação em relação à continuidade de programas que foram iniciados durante as gestões de Lula e Dilma Rousseff. “Investidos desta história, os terreiros que subscrevem manifestam-se com preocupação sobre a política do Ministério da Igualdade Racial para esse segmento”, ressaltam, apontando uma má vontade na retomada de políticas relevantes para os povos de terreiro.
Os representantes dos terreiros também criticam a falta de diálogo com o ministério, destacando que os terreiros de candomblé são reconhecidos como Bens Materiais e Bens Imateriais do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o que deveria garantir maior atenção e respeito às suas demandas.
Em resposta, o Ministério da Igualdade Racial afirmou que tem promovido amplas políticas com participação dos movimentos sociais, destacando a titulação de 65 territórios quilombolas, o maior número em menos de dois anos de gestão. No entanto, para as entidades, essas ações são insuficientes frente às demandas urgentes. A carta enviada ao presidente Lula é um pedido claro por correção de rumos, com a solicitação de uma mesa tripartite para garantir que as políticas raciais sigam as diretrizes esperadas pelo Movimento Negro.
Essas polêmicas expõem as contradições do governo Lula, que se comprometeu a promover a inclusão racial e de gênero, mas agora enfrenta críticas de que as ações não têm correspondido às expectativas. As denúncias de racismo e assédio moral no Ministério das Mulheres e as insatisfações com o Ministério da Igualdade Racial revelam um governo que ainda luta para harmonizar as promessas de campanha com a realidade dentro das estruturas de poder.
Os episódios destacados são mais do que simples controvérsias. Eles representam um desafio direto à credibilidade do governo perante um dos seus maiores aliados políticos: o Movimento Negro. Sem respostas concretas e medidas corretivas, o risco de uma ruptura com essa base de apoio aumenta, colocando em xeque o projeto de um governo que se autodeclara comprometido com a igualdade e a justiça social.
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