Mundo Negro

“Eu sempre firmei posição sobre não alisar e nem cortar o meu cabelo”, diz a jornalista Flávia Oliveira

Foto: Renan Brites Peixoto

Mesmo com as poucas oportunidades para mulheres negras aparecerem na televisão, a Flávia Oliveira jornalista e comentarista fixa do programa Estúdio i, da GloboNews, sempre se posicionou para manter o padrão estético que lhe deixava confortável consigo mesma para se exibir em rede nacional.

“Nem sempre usei cabelo crespo, mas também nunca fui alisada. A concessão que eu fazia era prender o cabelo, inclusive numa determinada ocasião até falei isso para um diretor de redação. Pode prender, mas eu não aliso, nem corto”, disse a Flávia.

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Nesta quarta e última entrevista da série sobre “jornalistas negras de televisão e seus cabelos” um especial do Julho das Pretas, o MUNDO NEGRO conversou com a Flávia sobre a sua relação com o crespo, o que mudou desde que ela apareceu na televisão pela primeira vez e dicas para cuidar do cabelo.

Como era o seu cabelo quando você começou a aparecer na TV? Era um estilo que você se sentia confortável para aparecer em frente às câmeras?

Eu comecei na TV em outubro de 2008, na estreia do Estúdio i. Eu tinha cabelo comprido como tenho hoje, mas fazia relaxamento. Já fazia, mais de década, talvez duas décadas, que eu fazia relaxamento para manter os cabelos compridos, mas com pouco menos volume. Não chegava a ser alisado no sentido de escovado. Vale a pena lembrar que não tinha exatamente um desconforto, mas eu sempre firmei posição sobre não alisar e nem cortar o meu cabelo, inclusive por razões religiosas. Eu sou filha de Iemanjá e sempre usei cabelo comprido.

Foto: Divulgação

Ainda no início, quais as jornalistas negras você tinha como referência não só pelo conteúdo, mas também pela estética e o que te chamava atenção nessa pessoa em termos de visual?

Pelo conteúdo, óbvio que a Glória Maria sempre foi uma referência. Ana Davis, eu lembro dela inclusive usando cabelo black. A própria Zileide. Eram mulheres que me chamavam atenção, eram poucas. Mas cabelo não me identificava com nenhuma delas.

O cabelo crespo/natural não era tido como um cabelo de “aspecto profissional”. Como você lidou com isso ao longo da sua carreira? Sempre usou o cabelo crespo?

Nem sempre usei cabelo crespo, mas também nunca fui alisada. A concessão que eu fazia era prender o cabelo, inclusive numa determinada ocasião até falei isso para um diretor de redação. Pode prender, mas eu não aliso, nem corto. Na profissão, sempre tive a questão da identidade racial, embora atenuasse o crespo do cabelo com o relaxante que eu fazia no Afonjá na época, que era em um salão para negras.

Nos EUA onde as questões dos direitos civis são bem avançadas, as jornalistas negras, em maioria ainda usam o cabelo liso e até mesmo perucas e apliques. Por que no Brasil somos diferentes? E usar o cabelo liso seria um problema, na sua opinião?

Os Estados Unidos tem essa tradição do lace, do cabelo alisado. A Giovana Xavier historiadora, estudou a história da beleza, até publicou um livro, a partir da tese de doutorado dela (História Social da Beleza Negra). Ela relaciona muito essa questão do mercado de trabalho, do cabelo suavizado para oportunidades no mercado de trabalho. Nos Estados Unidos tem muito isso. Tem um episódio da Michele Obama que ela fica crespa. Tem uma cena na série, que eu estava assistindo outro dia, First Lady, que o cabeleireiro diz ‘vamos dar um descanso pra esse cabelo?’ e ela fala ‘e vou aparecer assim crespa? Em um jantar como primeira dama dos Estados Unidos não, né?’. Então há uma certa pressão por essa questão do cabelo alisado.

Aqui também tem muita mulher preta alisada. Eu acho que processo de assumir, especialmente quem está no mercado de trabalho mais intensamente os crespos, os turbantes, as tranças, os rastas, é mais recente no sentido de ganhar escala. E no jornalismo é pouca presença negra. Na verdade, o jornalismo ao meu ver caminhou para respeitar um pouco mais a individualidade das pessoas. Homens e mulheres, nos anos 70, 80, 90, era todo mundo muito parecido. Mesmo as mulheres brancas, tinham o mesmo corte de cabelo, o mesmo tipo de roupa. Os homens também. A partir dos anos 2000, você começa a ter um pouco mais de permitir a personalidade, a individualidade e nesse sentido se coincide também com um pouco mais de presença negra, é natural que essa presença negra também inclua cabelo crespo e ao mesmo tempo essa geração tombamento, afronta, chegar na universidade e assumir os blacks, muitas linhas também de produto de cabelo pra mulheres negras foram surgindo. Eu acho que tem vários elementos aí que também chegaram as mulheres jornalistas.

O seu cabelo já foi alvo de algum comentário racista? Caso sim, o que foi feito a respeito?

Ah, desde pequena, né? ‘Cabelo de Bombril’ é muito, muito comum, Já vi um ou outro outro comentário desse tipo na rede social. Não tomei nenhuma providência. É basicamente denunciar na própria rede social e bloquear o racista. Não achei que fosse caso de fazer uma denúncia formal, pessoas com poucos seguidores, sem representatividade.

Sobre quem cuidou e cuida do seu cabelo. Você sente que os profissionais sabem cuidar do cabelo natural?

Não é todo mundo que sabe cuidar, nem cortar. Cortar então é uma questão mais complexa, porque muitas vezes as referências de corte são cabelos lisos, então muito bem-vinda à safra de profissionais negros que aprenderam a cortar, técnicas para cortar, tratar. Como eu disse, vários produtos apareceram ligados a de grandes empresas e de empresas novas na direção de melhorar a oferta de produtos pra cuidados de cabelos crespos. Inclusive a própria identificação do cacho: A, B, C, um, dois, três, quatro. Isso é algo recente. Na minha época os cabelos eram secos, oleosos e normais. Todos para pessoas brancas. Nos anos recentes, houve um investimento da própria indústria na direção de mostrar diferenças, de segmentar e muitas blogueiras. Essa coisa da tecnologia, da internet, me parece que ajudou muito a comunicar e fazer as mulheres negras compreenderem seus cabelos e a própria beleza.

Eu fiz transição no início de 2016, quando a Isabela minha filha, que também fazia relaxante, embora tivesse o cabelo bem menos crespo, ela iniciou a transição e eu resolvi acompanhá-la e a partir dali foi curioso. Descobri o meu próprio cabelo, eu mal conhecia ele porque tinha muita química. A transição foi dura e especialmente porque eu usava cabelo comprido ou médio, então demorou bastante. Tive que fazer muito babyliss pra uniformizar, voltei a usar bobes, até que o cabelo inteiro tivesse renovado. E hoje eu gosto muito dele, tenho vários produtos, alguns produtos que eu compro e eu mesma levo pra TV para serem usados no meu cabelo, produtos sem parabeno, sem silicone, esse tipo de coisa.

O cabelo de quem trabalha na TV sofre com o efeito de secador, gel e outros produtos. Qual sua rotina de cuidado capilar? 

Eu não uso tanto secador. Quando ele está muito desobediente, eu prendo.

Foto: Reprodução/Instagram

Tem algum truque que você aprendeu no trabalho, sobre cuidados com seu cabelo, que você poderia compartilhar com a gente?

Uma coisa que aprendi foi usar o difusor. Eu não conhecia o difusor até entrar na TV. Na medida do possível, lavar, desembaraçar o cabelo molhado, não passar pente, nem nada com cabelo seco e tentar secar ao natural o máximo possível. Reduzir o uso do secador, mas se usar, com o difusor, isso faz faz muita diferença. O difusor é bem menos agressivo. A outra coisa é prender. Na transição eu fiz muito afro puff, esse que não é rabo de cavalo, um rabo de cavalo mais pro alto assim da testa, que levanta a expressão, puxa o olhar. Eu acho que faz um conjunto bonito, então gosto mais de fazer coque ou o afro puff mais pro alto da cabeça e não pro lado da nuca. E a outra coisa que eu também aprendi na TV que eu uso bastante, é uma almofadinha, uma rodinha que você põe dentro do rabo de cavalo pra aumentar o volume do coque. Eu acho que fica muito bonito o coque grande.

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