Especialistas alertam para precedente perigoso após STJ autorizar retorno de Sônia Maria a casa de investigados por trabalho escravo

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Especialistas alertam para precedente perigoso após STJ autorizar retorno de Sônia Maria a casa de investigados por trabalho escravo
Foto Sônia Maria: Reprodução/Fantástico - Foto Desembargador: Reprodução/ND

O retorno de Sônia Maria de Jesus, 50, à casa do desembargador Jorge Luiz de Borba e sua esposa, Ana Cristina Gayotto de Borba, após ser resgatada em uma operação contra trabalho análogo à escravidão, foi tema de debate na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado que aconteceu na última segunda-feira (6). A decisão judicial que permitiu o reencontro foi criticada por especialistas, que apontaram riscos à política pública de combate a esse tipo de crime.

“Em 30 anos, nunca enfrentamos uma situação como essa. Negar à vítima o direito ao resgate cria um precedente desastroso”, afirmou André Roston, coordenador-geral de Fiscalização do Trabalho do Ministério do Trabalho. Ele destacou que o caso pode impactar futuras operações de resgate e proteção das vítimas.

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Sônia foi resgatada em junho de 2023 na casa da família Borba, em Florianópolis (SC), onde teria vivido por 40 anos em condições análogas à escravidão. Segundo investigações, ela trabalhava desde os 9 anos de idade sem receber salário, sem direito a férias ou folgas, e dormia em um quarto separado da casa principal. Os investigados alegam que ela era tratada como membro da família.

Dois meses após o resgate, o ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), autorizou o reencontro entre Sônia e os investigados, com a justificativa de que não havia elementos suficientes para comprovar a exploração. A decisão permitiu que Sônia retornasse à casa do casal.

A Defensoria Pública da União recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), argumentando que a convivência com os investigados contraria normas de proteção às vítimas, mas o pedido foi negado pelo ministro André Mendonça. O caso ainda será analisado pela 2ª Turma do STF.

Campanha “Sônia Livre”

A repercussão do caso motivou a criação da campanha “Sônia Livre”, liderada pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura (IPEATRA) e pelo coletivo Ministério de Obras Públicas, com apoio do portal Nós, Mulheres da Periferia. A campanha busca garantir a liberdade de Sônia e denuncia a violação de seus direitos.

De acordo com informações da campanha, Sônia sofreu coação emocional em setembro de 2023, durante um encontro com os investigados, que a persuadiram a retornar à casa do casal. Após o retorno, o desembargador teria impedido que Sônia mantivesse contato com seus irmãos biológicos e interrompido o tratamento psicológico ao qual ela havia começado a ser submetida.

A campanha também aponta que Sônia trabalha como empregada doméstica desde os nove anos, sem remuneração, folgas ou acesso a serviços básicos, como saúde e educação. Ela enfrenta problemas de saúde, como perda auditiva, e viveu isolada do convívio social.

Impacto e críticas

Na audiência no Senado, o defensor público William Charley relatou que Sônia foi privada de uma vida social fora do núcleo familiar e nunca teve acesso à educação formal. “Enquanto os filhos dos investigados cursaram ensino superior e têm carreiras bem-sucedidas, Sônia foi deixada à margem”, disse.

André Roston destacou que Sônia sequer tinha documentos até os 45 anos, quando obteve seu primeiro Registro Geral (RG). “Que pai ou mãe deixaria um filho sem registro por tanto tempo? Isso demonstra que Sônia não era vista como integrante da família”, pontuou.

Para Thiago Lopes de Castro, procurador do Ministério Público do Trabalho, o caso é emblemático e preocupante. “Permitir o retorno da vítima sem garantir sua ressocialização é institucionalizar uma cultura escravagista. Essa decisão inédita causa perplexidade”, afirmou.

Com informações da Agência Brasil

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