“Enquanto a publicidade pinta de verde seus slogans, o colapso climático afoga a periferia”, diz Domitila Barros

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“Enquanto a publicidade pinta de verde seus slogans, o colapso climático afoga a periferia”, diz Domitila Barros
Foto: @yared

Enquanto marcas se preparam para o marketing verde visando a COP30, Domitila Barros fala ao Mundo Negro sobre racismo ambiental e cobra rastreabilidade ética na publicidade brasileira 

A publicidade está preparando suas lonas verdes para a COP30, mas em muitos bairros do Brasil, o que se estende é a lona do desespero. Enquanto marcas e agências se mobilizam para aparecer bem na foto da próxima Conferência do Clima da ONU, que será realizada em Belém (PA) em novembro, comunidades negras e periféricas já enfrentam, cotidianamente, os efeitos de um colapso climático silencioso, seletivo e perverso.

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“É impossível falar em sustentabilidade sem falar em racismo. O colapso climático tem cor, território e histórico. E ele se agrava toda vez que a publicidade decide fingir que não vê”, dispara Domitila Barros, ativista, comunicadora e consultora internacional em sustentabilidade e marketing ético, em entrevista exclusiva ao Mundo Negro.

Natural da periferia do Recife, Domitila carrega no corpo e na fala o atravessamento de duas urgências: a da justiça social e a da justiça ambiental. Ela já palestrou em 12 países, foi reconhecida como Influenciadora do Ano em Sustentabilidade pelo WIBA Awards em Cannes, atua como embaixadora das Fronteiras Planetárias nos Jogos Mundiais Universitários FISU 2025 e colabora com o Greenpeace. Mas é a partir de sua vivência nos territórios racializados do Brasil que ela constrói sua crítica mais urgente: sustentabilidade sem compromisso com a equidade é só mais um privilégio pintado de verde.

A face racial do colapso

No Brasil, 85% das pessoas que vivem em áreas de risco ambiental são negras ou pardas, segundo o IBGE. A cada novo desastre, seja no litoral norte de São Paulo, nas encostas do Rio de Janeiro, nas enchentes do Rio Grande do Sul ou nos bairros baixos do Recife, o padrão se repete: as mortes não são apenas causadas pela chuva, mas pela negligência política, pelo racismo estrutural e pela lógica de um país que normaliza a exclusão.

Domitila é direta: “Quem morre nas tragédias ambientais do Brasil é quem sempre foi empurrado para a margem. Não adianta encher os aeroportos de banners sobre biodiversidade se o povo preto continua sendo removido sem política de moradia, se os quilombolas são assassinados e os indígenas são silenciados. A publicidade precisa parar de posar de ambientalista enquanto lucra com o silêncio.”

Com a proximidade da COP30, cresce a pressão para que o Brasil assuma protagonismo na agenda climática global. Mas, internamente, o país enfrenta retrocessos sérios, como a recente aprovação no Senado do PL 2159/2021, conhecido como PL da Devastação, que desmonta o licenciamento ambiental e abre caminho para obras e empreendimentos em áreas sensíveis sem avaliação adequada de impacto.

“Ao mesmo tempo que diz liderar a pauta ambiental, o Brasil afrouxa leis que protegem biomas e ignora as vozes das comunidades tradicionais. Isso é greenwashing institucional. E muitas marcas embarcam nesse discurso superficial porque é mais fácil vender utopia do que encarar a verdade: não existe futuro possível sem reparação histórica e redistribuição de poder”, critica Domitila.

Na visão da ativista, a publicidade brasileira, especialmente a de grandes marcas, tem sido covarde. “Estamos em 2025, às vésperas da COP30, e ainda vemos campanhas genéricas sobre sustentabilidade, com slogans recicláveis, mas práticas descartáveis. Onde estão os quilombolas nas campanhas? Onde estão os catadores? Onde estão os corpos reais que fazem a economia circular girar neste país?”

Ela lembra que a publicidade ajudou a construir símbolos de consumo, beleza e pertencimento no Brasil e, por isso, tem o dever de desconstruí-los. “Não é sobre vender produtos ecológicos a quem pode pagar. É sobre devolver dignidade a quem sempre sustentou esse país com trabalho invisível. É sobre quem a marca escolhe colocar no centro da história ou deixar de fora dela.”

Rastreabilidade é poder

Para Domitila, marcas que desejam ocupar espaço com coerência na COP30 precisam mais do que presença institucional. Precisam fazer autocrítica, rever cadeia de produção, abrir os bastidores e garantir rastreabilidade ética. “Não adianta estar na COP com tenda climatizada se não sabe dizer quem costurou seu uniforme, quem colheu o que você serve no coquetel, ou onde vai parar seu lixo. O consumidor negro e periférico está atento. A era da ingenuidade passou.” Ela afirma que regeneração é o novo prestígio. “Saber de onde vem, para onde vai, com que impacto… Tudo isso é status. E se a publicidade não entender isso agora, vai ficar obsoleta.”

Domitila encerra com uma provocação direta ao mercado: “Não é mais tempo de influenciar sem responsabilidade. Celebridades, agências e empresas precisam decidir de que lado da história vão estar. O mundo está observando. E as periferias também”.

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