Texto: Janaína Bernardino
O rapper, escritor, ator e cineasta, MV Bill, de 50 anos, e o poeta, advogado e professor Carlos de Assumpção, de 97 anos, estiveram na 23ª edição da Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto, a FILRP, no interior de São Paulo, intitulada de ‘Cotidiano Poéticos: do épico de camões às batalhas de rua’, na última sexta-feira (02/08).
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No ‘Recital, RAP e Tal: atemporalidade da poesia’, o palco da sala principal do Teatro Pedro II foi pano de fundo para que esses dois gigantes realizassem um bate-papo sobre literatura, música e negritude. Além de receber a comunidade preta e não preta ribeirão-pretana para uma noite repleta de representatividade, excelência e intelectualidade negra.
Carlos de Assumpção, um dos nomes homenageados nesta edição, referência na luta pela igualdade racial e na literatura afro-brasileira, fez um discurso emocionante sobre o poder da educação e da arte como transformação social. Inspirado por sua mãe, leitora ávida, o poeta da velha guarda compartilhou um pouco de sua relação com os livros, ressaltando a importância da família no acesso e na valorização da literatura para crianças e adolescentes.
Voz que dá tom ao emblemático poema “Protesto”, premiado em diversas instâncias da poesia falada, o senhor Carlos, como é chamado, não pôde deixar de declamar a obra que até hoje é sinônimo de reivindicação e resistência.
“Mesmo que voltem as costas
Às minhas palavras de fogo
Não pararei de gritar
Não pararei
Não pararei de gritar…
[…] Eu quero o sol que é de todos
Quero a vida que é de todos
Ou alcanço tudo o que eu quero
Ou gritarei a noite inteira
Como gritam os vulcões
Como gritam os vendavais
Como grita o mar
E nem a morte terá força
Para me fazer calar”.
O poeta também recitou os poemas ‘Tem um tambor’ e ‘A princesa Isabel’. Ao agradecer por ser um dos nomes homenageados da Feira e dedicar a honraria a todos os negros do país, Carlos afirma que a escravidão ainda não acabou. “O negro sempre foi posto em uma situação de marginalidade, como se fosse um estrangeiro dentro do seu próprio país, um país que ele mesmo colocou de pé”, comentou, ao destacar que essa lógica acontece sob outras roupagens na atualidade.
Já o rapper, dono de singles como ‘Estilo Vagabundo’, ‘Soldado do Morro’ e ‘Só Deus Pode me Julgar’, falou sobre a relevância e a indispensabilidade da leitura para a construção não só de poesias, mas também para letras de rap. Segundo Bill, o livro é uma ferramenta da consciência e foi através dele que pode se tornar um “conhecedor de palavras”.
O livro Negro Revoltado, de Abdias do Nascimento, e biografias do ativista Malcolm X foram um dos primeiros livros que leu, abrindo sua mente para o lugar que poderia e pode ocupar na literatura. Assim como é um repertório para a produção de músicas que falam da vivência negra, seja no passado ou na contemporâniedade.
O acesso a esse tipo de obra e não só, foi também o responsável por acender um alerta em sua mente: o de desconstruir a surpresa da pessoa branca ao ver o homem negro com um livro debaixo do braço.
Em entrevista para o Mundo Negro, o rapper falou ainda sobre o processo de criação do seu livro ‘MV Bill: a vida me ensinou a caminhar”, em que reúne 27 contos que articulam sobre a sua vida na Cidade de Deus, comunidade do Rio de Janeiro, e momentos importantes de sua carreira. Histórias em que ele não se deu bem, em sua maioria, mas que o trouxeram aprendizados, segundo as próprias palavras do Mensageiro da Verdade (MV).
“A ideia de escrever um livro sobre minha vida, surgiu da vontade de querer fazer alguma coisa a mais do rap. A gente tinha referências de fora como o Tupac, Snoop Dogg e o Will Smith (na época Fresh Prince), fazendo música, mas também atuando, tendo programas de TV, sendo autores e até mesmo acionista de um time de basquete. Eu não queria ficar preso apenas na música, sempre quis ser um artista multifacetado, ter outras faces”, destacou.
Ao ser questionado sobre os livros que não saem da sua prateleira, Bill ressalta que não é apegado a autores, mas que tem livros que fazem sua cabeça, a exemplo de um livro do cantor Tim Maia, que às vezes parece ser somente um livro sobre música, mas também é sobre racismo, gordofobia, marginalização da música periférica e coisas engraçadas.
O Rapper, que está em preparação para “Volta por Cima”, nova novela da Globo, também deixa um recado para os jovens que desejam ascender na cena literária, a partir de sua experiência:
“Viver necessariamente da escrita não é tão fácil. O livro no Brasil possui dificuldades de produção e também de venda; não é todos que têm acesso a livros que custam 70 reais, por exemplo. Prezo pela acessibilidade, os meus livros normalmente possuem valores abaixo da média, para considerar o máximo possível de pessoas. Eu concílio a escrita com outros projetos que vão me dar visibilidade, como trocar uma ideia, palestrar e atuar. Então, é ser um multipotencial!
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