Apesar dos investimentos milionários em publicidade para promover o iFood como marca popular e brasileira durante o carnaval na Bahia, o CEO da empresa, Fabrício Bloisi, deu uma declaração ao jornal Folha de S. Paulo durante o final de semana que causou estranhamento por valorizar a tecnologia, sem considerar a relação dos brasileiros com a alimentação. Para ele, da mesma forma que não costuramos nossas roupas, nem educamos os jovens dentro de casa, em 10 anos as pessoas não irão mais cozinhar. Bloisi crê que em 5 e 10 anos, a comida dos restaurantes do aplicativo será tão barata, que vai compensar pedir refeições pelo celular, do que ter o “trabalho de fazer”.
O relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI), publicado em julho de 2023, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), apontou uma piora dos indicadores de fome e insegurança alimentar no Brasil. O documento mostra que 70,3 milhões de pessoas estiveram em estado de insegurança alimentar moderada, em 2022. Esses números representam pessoas que não deixaram de comer porque dá trabalho cozinhar ou falta tempo.
Notícias Relacionadas
Beyoncé supera recorde histórico e é a artista feminina mais premiada pela RIAA
Vini Jr. é eleito o melhor jogador do mundo no prêmio Fifa The Best
Ao somar os dados de fome ao apartheid tecnológico que o país vive, fica difícil imaginar que em 10 anos pessoas de regiões ainda sem acesso a Internet, usarão um aplicativo para comer assim como vão às lojas para comprarem suas roupas. A realidade do celular 5G e de restaurantes com estrutura de delivery ainda é limitada se pensarmos no Brasil todo, para além das grandes capitais.
A empresária Rita Lobo, referência em pautas sobre alimentação, criticou as colocações de Bloisi em uma rede social, lembrando “do elitismo brasileiro e ranço escravocrata que desconsidera quem cozinha, seja em casa ou até profissionalmente”.
COZINHAR É MAIS DO QUE ALIMENTAR
O Chef Paulo Rocha demonstra uma grande preocupação com a troca da comida feita em casa pela pedida pelo aplicativo que é a desvalorização do “temperinho da vovó”, do cardápio e tempero que trazem a identidade da família por meio dos alimentos que consomem. “Há um movimento que vem acontecendo já há anos, que já é perceptível, é que cada vez mais as crianças, os jovens, os adolescentes, não estão tendo memória, estão tendo as memórias afetivas da comida do pai, da mãe, igual antigamente a gente tinha”, afirma o Iron Chef.
“Essa é uma tendência muito cruel! Só me vem as palavras de Nego Bispo na cabeça quando ele fala da atual arquitetura das casas brasileiras nas grandes cidades! Estamos sem quintal para produzir, vivemos em lares com cozinhas cada vez menores e disfuncionais! Nos distanciamos da cadeia do alimento e esse barateamento da produção para o aumento do consumo de comida pronta é para mim uma conveniência inconveniente”, acredita Patty Durães, pesquisadora de culturas alimentares.
Aline Chermoula, Chef especializada em gastronomia afrodiaspórica acredita que cozinhar em casa também é um ato de resistência. “Estamos vivendo um momento de uma sociedade mais aberta à diversidade, e o caráter plural de nossa comida tem sido mais valorizado, num movimento de reconexão com as culturas, valorização às memórias alimentares e gastronômicas, dos saberes, das formas de preparar, de servir e até conhecer a origem dos alimentos para que não se percam no tempo. Uma forma de resistência à imposição do sistema, é isto que o cozinhar em casa também representa”.
NOTA À IMPRENSA
Devido a repercussão negativa da entrevista, Fábio Blois usou sua conta no Linkedin para fazer alguns esclarecimentos.
“Em relação à matéria intitulada “Em dez anos, ninguém vai mais cozinhar, diz presidente do iFood”, publicada pela Folha de S.Paulo em 18 de fevereiro de 2024, gostaria de esclarecer que não acredito que ninguém mais vai cozinhar em dez anos.
Existe uma tendência de as pessoas fazerem menos comida em casa e pedirem mais comida feita fora. No Brasil, a penetração do delivery aumentou de 80% em 2020 para 89% em 2022, segundo a consultoria Kantar. Essa mudança de comportamento já aparece na lista dos mais pedidos do iFood. Em 2023, as marmitas foram as mais pedidas no aplicativo”.
Notícias Recentes
Dicas de desapego e decoração ancestral para o fim de ano com a personal organizer Cora Fernandes
Sueli Carneiro se torna a primeira brasileira reconhecida como cidadã beninense