Por Françoise Rocha, Advogada
Em um primeiro momento fica quase impossível associar o discurso da influenciadora digital Virginia Fonseca com a fala da Senadora Simone Tebet em sua última participação na CPI da Covid, que tem chamado atenção no cenário político atual. Influenciadora/or, por descrição, consiste em: aquele/a que exerce influência sobre; influenciar significa induzir alguém a fazer alguma coisa, a se comportar de determinada maneira ou pensar de um modo específico. Influenciadoras/es digitais são pessoas que se expressam através das redes sociais, geram conteúdo e, por meio dele, impactam indivíduos e comunidades.
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Mas a confluência entre as falas, que têm em comum relações de trabalho no âmbito doméstico existe e, o repúdio aos atos que demonstram tal convergência, não merece um destino de silenciamento. Conforme divulgado em vários sites de notícias, no último 14 de maio, a influenciadora digital Virginia Fonseca, que está grávida de sua primeira filha, teria declarado que contratou uma babá em regime integral de trabalho – sempre disponível para a família, 7 dias por semana.
Nas redes sociais, ela se defendeu: “Ela (a nova babá) trabalha dessa forma, para ela é mais conveniente estar na casa da família do que ter que ir e voltar todo dia. Ela poderia ter oferecido 12 horas de trabalho, eu contrataria ela e mais uma. Mas ela prefere assim, eu não a amarrei e nem a obriguei a nada”…
Uma semana depois, a Senadora Simone Tebet, quando se dirigiu ao ex Ministro Pazzuelo, tecendo de maneira enfática e muito contundente comentários à atuação do general no enfrentamento do combate à Pandemia frente ao Ministério da Saúde, frisou que tinha uma funcionária internada em decorrência do coronavírus, e complementou:
“Hoje, neste momento, estou com uma funcionária que está comigo há 23 anos, que mora na minha casa, que morou na minha casa por muito tempo, que me ajudou a criar as minhas filhas, num leito de hospital”.
O que estes dois episódios/falas nos revelam é que existe, ainda enraizada na cultura brasileira, a normalização daquilo que a Constituição Federal, força normativa maior deste País, tentou regulamentar. Digo que tentou pois, durante muito tempo, praticamente não existiu um horizonte normativo garantidor de direitos trabalhistas para as empregadas domésticas, ainda que tenha ocorrido o “nascimento jurídico” da classe, em 1972, este ainda não se mostrou suficiente para inibir alguns comportamentos.
Acreditava-se que esta marginalização poderia ter sido sanada com o advento da EC 72/2013, entretanto, a promulgação da Emenda Constitucional n° 72, que amplia os direitos as(os) empregadas(os) domésticas(os), e a Lei n° 12.964/14, que multa as/as empregadoras/es que não assinarem a carteira das/os trabalhadoras/es, não são suficientes para erradicar as desigualdades e a desvalorização do trabalho doméstico na atual sociedade.
Temos, portanto, um triste cenário de desproteção jurídico-trabalhista – marcado tanto pelo reconhecimento deficitário de alguns direitos, quanto pela baixa aplicabilidade das normas já positivadas -, pouca atenção tem sido concedida a essa realidade, e isso acontece por serem as mulheres negras e pobres as principais responsáveis pela realização diuturna desse trabalho. Dos exemplos acima citados, há quem defenda que: foram as empregadas que assim decidiram-permanecer diuturnamente na casa dos patrões, ou então, elas são como se fossem da família.
Meras retóricas que buscam a legitimação para a perpetuação do que é ilegal, pois pela Lei, a duração do trabalho doméstico não pode exceder 8 horas diárias e 44 semanais, sendo permitido que a funcionária faça 2 horas extras por dia, “contratar” uma pessoa para um trabalho ininterrupto é colocá-la em uma situação análoga à escravidão, é necessário o respeito ao tempo máximo de 10 horas diárias com o intervalo de no mínimo 2h durante a jornada e de 11h entre uma jornada e outra. Vale ressaltar, também, que a Lei Complementar 150/2015 não permite o contrato 24 horas.
Outro aspecto que também deve ser considerado é que estas empregadas acabam sendo alijadas do convívio com sua própria família, ou seja, são expropriadas do sentimento de viverem com os seus, sob o discurso de proximidade afetiva com seus empregadores.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, no ano de 2017, se organizassem um encontro de todos os seus trabalhadores domésticos, o Brasil reuniria uma população maior que a da Dinamarca. O país emprega cerca de 7 milhões de pessoas no setor – o maior grupo no mundo – composto majoritariamente por mulheres negras. Em comum entre as falas, os dados e a realidade, os traços escravocratas.
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