O mundo realmente tem preferência em desabar nas famílias negras. Recentemente, encontrei com um amigo de infância, conhecido como Soró. O nome dele é Alex. Não mora mais no bairro, mas aproveitava a folga para visitar os pais. Foi uma enorme alegria revê-lo, parecíamos os mesmos jovens de décadas atrás, relembrando os momentos divertidos. E no entusiasmo de contar as novidades, interrompíamos um ao outro antes de terminar o raciocínio. Estava muito engraçado.
No entanto, o assunto ficou delicado. Fiquei por um tempo calado e perplexo ouvindo o amigo. Soró é um homem negro, casado com Márcia, uma mulher negra. Eles têm três filhos, duas meninas e um menino. No ano passado, Miguel entrou para a escola. Na primeira reunião, Márcia participou e ouviu reclamações. A professora disse que Miguel era preguiçoso, não prestava atenção na aula e não fazia os deveres solicitados. Pediu para a mãe pegar no pé do filho para não ter “dor de cabeça” no futuro.
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Os pais controlaram o acesso à televisão, jogos no celular e computador, entre outras coisas que o menino gostava de fazer; também deram muitas broncas! O casal ficava bastante ausente por conta da carga exaustiva do emprego. Soró trabalhava como vigilante, e a esposa trabalhava no supermercado. Era a mãe da Márcia quem cuidava dos netos. Antes das férias no meio do ano, a professora mandou um bilhete pedindo para os pais irem à escola. Mas foi a avó quem compareceu, e as reclamações se repetiram.
No semestre seguinte, a professora saiu de licença maternidade. Soró disse que ali viu uma luz. Ele achava que a professora é que não estava ensinando direito e não gostava do Miguel. Mas para a surpresa dele e da esposa, na segunda semana de aula a nova professora chamou eles. Ela disse que leu os relatórios sobre o Miguel, e devido ao histórico e a percepção dela na sala de aula, sugeriu que deveriam procurar um psicólogo.
Ainda que um pouco resistentes, seguiram o conselho. E, após diversos exames e consultas médicas, descobriram que o filho tinha transtorno psiquiátrico e deveria passar por um tratamento especializado. Soró entrou em choque. A esposa até começou a frequentar sessões de terapia depois do episódio. O remorso tomou conta.
E não tinha como ser diferente. Imagine o tratamento que deram para o filho após a reclamação da professora, sendo que a situação estava muito longe de ser uma simples “preguiça infantil”. Depois de todo aquele assunto fiquei me perguntando: se o Miguel fosse uma criança branca, o julgamento e cuidado teriam sido diferente? Quantas crianças negras estão sendo negligenciadas e culpadas por aquilo que não controlam?
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