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*Por Fabricio Mascate e Phil Lima
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Quando falamos em populações desprovidas de direitos e recursos perante ao Estado, quem são essas que vêm à nossa mente? Provavelmente a imagem mais nítida não é a de uma face, mas de tonalidades de cor.
A nova crise do coronavírus escancarou a herança de quase 400 anos de desigualdade social deixada pelo colonialismo no Brasil e a constante negação de direitos consequentes da República e de duas ditaduras no “país de todos”. Configurando mais uma complexa fase no cotidiano dos povos negros e indígenas, com as taxas de desemprego mais elevadas, e dificuldade em por o prato na mesa.
Falando em justiça, direitos e igualdade para os povos, o que significou para a população negra essa tal abolição do 13 de maio ou então o 1º de abril da abolição indígena – aliás, que data sugestiva não é mesmo? – senão um simples apagamento, jogando todo esse contingente para debaixo do tapete, os marginalizando, passando de mercadoria e mão de obra gratuita/explorada, para um problema do Estado brasileiro.
Todos os anos é simbolicamente comemorada a “abolição” de povos que foram atacados e sofreram com uma das mais perversas feitorias da humanidade. Se houve uma abolição, por que então os movimentos de resistência indígena e os movimentos negros lutam por direitos até os dias atuais? Isso deveria ou deve ter uma explicação em face da sociedade a qual, supostamente, aboliu a escravidão desses povos.
O que vemos hoje é o reflexo de todo esse descaso do Estado para com esse contingente de pessoas “libertas”, populações da qual suas ciências e culturas são pilares fundamentais para a manutenção e estruturação da vida brasileira em seus mais diversos costumes e tradições, da qual nos é negada os devidos créditos, reconhecimentos e direitos.
Parafraseando a deputada Leci Brandão que em uma fala na tribuna em maio de 2018 disse: ” A grande questão não está no 13 de maio e sim no 14 de maio. No dia seguinte a população negra passou de escravizada oficialmente, para excluída socialmente.”
Diante de todas essas percepções e fatos dos quais nos deparamos em relação à histórias presentes, o que seria a abolição senão uma ação milimetricamente articulada para manter todos os privilégios dessa mesma elite que explorou, escravizou e matou por cerca de quatro séculos e que ainda nos nega reparação histórica.
O que nos trouxe até aqui foi o pensamento da importância e relevância que essas culturas têm na resistência e nessa luta que nos faz presente até os dias atuais, por que a abolição no papel aconteceu, um documento oficial, mas na prática, as guerras, as lutas e as mortes continuaram sendo travadas contra esses povos, e basta ligarmos a TV ou lermos as notícias para constatarmos isso diariamente. Por outro lado, o que contribuiu para a nossa sobrevivência? Já paramos para pensar nisso? Que práticas e estratégias usamos para nos manter vivos numa política de extermínio em que somos alvos?
Um exemplo que pode ser usado para tornar essa explicação mais palpável e que está intrinsecamente ligado à cultura, é a prática da Capoeira. Um de seus usos era o chamado “toque de cavalaria” que servia para avisar quando a guarda nacional estava se aproximando, e tivessem tempo hábil para escapar. Ou então a própria prática da dança, que também servia como autodefesa. Estes são alguns dos tantos exemplos existentes que assim como os das populações negras, os povos indígenas possuem seus tantos baseados em seus conhecimentos da terra, e quando dizemos conhecimentos da terra não estamos dizendo somente de plantio, de alimentação e de cura, falamos também do conhecimento territorial.
Esse conjunto de saberes que são extremamente importantes para sobrevivência em sua totalidade, entendimentos de natureza, visão de mundo, resistências e lutas. Toda essa ancestralidade está presente nas falas, nos cantos e nas danças que compõem a cultura de um modo geral, então percebe-se que as culturas indígenas, toda a sua pluralidade e diversidade é a resistência em si, pois a ideia dessa existência e permanência desses povos não cabem no plano colonizador.
Mantendo nossas culturas vivas, estaremos adiando o fim de muitas histórias, como diz Ailton Krenak: “a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim.”