
O que mulheres negras desejam para o futuro? Quando se está apenas tentando sobreviver ao dia, o futuro parece algo distante e enxergar novas perspectivas cercada por tantos desafios emocionais, físicos ou financeiros é quase impossível. A chegada do 25 de julho, data que celebra o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, inspirou entrar em contato com mulheres negras de diferentes idades e que vivem em diferentes contextos para saber o que elas esperam e desejam para seu futuro. O que para algumas delas pareceu um desafio, se traduziu em respostas sinceras que mostram como somos múltiplas e, acima de tudo, que devemos manter a esperança em nós e nas nossas.
Para Marciele Moreira, mãe solo do Emanoel, uma criança de 5 anos diagnosticada com autismo nível 2 de suporte, moradora da cidade de Mauá, região metropolitana de São Paulo, as perspectivas de futuro estavam todas relacionadas ao desenvolvimento do filho, mas ao responder minhas perguntas, ela mostrou que também tem esperanças para si: “Eu tenho sonhos de poder voltar esse meu olhar, futuramente, após trabalhar o que for necessário no Emanuel, de voltar esse olhar para mim, para o meu autocuidado, para o meu lazer, para minha vida profissional e pessoal, quero estudar algo, voltar a trabalhar, conquistar minha independência financeira e parar de depender de benefícios governamentais”, pontuou.
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Além das demandas individuais, as movimentações coletivas revelam que mulheres negras lutam para viver de maneira plena e feliz. “Hoje falamos de saúde integral, mental, soberania alimentar, economia do cuidado, justiça racial e comunicação como espaço de poder. As mulheres negras também exigem estar no centro das decisões, das tecnologias, da política institucional”, destaca Juliana Gonçalves, jornalista e uma das articuladoras da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que terá sua segunda edição realizada no dia 25 de novembro de 2025, em Brasília.
Em diferentes frentes de atuação, como a espiritualidade e o acolhimento, outras mulheres também expressam seus desejos para o futuro:
“Onde tem a energia feminina eu estou cuidando”

Líder espiritual do Axé Abassá de Ogum, a Ialorixá Jaciara Ribeiro é ativista no enfrentamento à intolerância religiosa e atua diretamente com o acolhimento de mulheres negras em situação de vulnerabilidade. Ela também é filha de Mãe Gilda, que inspirou a criação do Dia de Combate à Intolerância Religiosa no Brasil.
Movida pela energia feminina, a religiosa destaca seus trabalhos: “Tenho vários projetos que culminam no autocuidado, no acolhimento das mulheres em vulnerabilidade, mulheres em território que são ameaçadas, como terreiro, como quilombo, como áreas indígenas. Enfim, onde tem a energia feminina eu estou cuidando”.
“Para mim, mulher de terreiro, espero para os próximos anos que a gente possa realmente ser incluída em todos os projetos que existem no governo, tanto no âmbito municipal, estadual e federal, com uma forma mais específica de cor, gênero, raça e a cuidado de tudo. A gente precisa pensar mais na nossa vida. Nossas vidas”, disse. “O que eu espero mesmo é que nesse mundo de tanta diversidade, as pessoas tentem entender que a gente precisa de uma secretaria, não só de reparação, de direitos humanos, de saúde e educação, a gente precisa de uma secretaria do amor, um ministério do amor. A gente não precisa ter o que está tendo no mundo agora, uma guerra entre povos, entre países, mas a gente vai conseguir, com ancestralidade, seguir”, afirmou a Ialorixá, que também é filha de Oxum.
“Prazer nos mantém vivas e merecemos mais do que sobreviver”

Jornalista e escritora, Monique dos Anjos, que lançará no dia 2 agosto de 2025, durante a 23ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), seu livro de contos “Nós entre três”, uma literatura erótica decolonial que coloca o gozo no centro da narrativa, mostrando que o prazer também é um direito para as mulheres negras destaca como as mulheres negras querem ser tratadas:
“Queremos ser tratadas como únicas, mas não como diferentes. Existe esse mito marcado pelo racismo e machismo de que a experiência com uma mulher negra requer algum tipo de instrução, de preparo, de conhecimento. Não é pedir muito que, ao se relacionar com uma pessoa racializada, você tenha consciência racial. Da dela e da sua raça. E isso vai além do sexo. Tem a ver com vigiar dinâmicas que reforçam o preconceito, tem a ver com se posicionar, com não usar tantos termos e seguir condutas que, apesar de normalizadas, são problemáticas. Queremos ainda gozar sem a culpa de que deveríamos estar trabalhando, estudando, cuidando da casa… enfim, fazendo de tudo, menos algo tão egoísta, pessoal e supérfluo. Acontece que prazer nos mantém vivas e merecemos mais do que sobreviver”, reforça Monique.
“O que nos faz seguir adiante é a resistência”

Empreendedora, Maria Luisa Souza olha para o futuro com a maturidade de quem chegou aos 60 anos: “Hoje com 60 anos olho para o futuro, um futuro próximo e eu já vejo isso onde passamos nós mulheres negras sermos vistas como pessoa digna para desenvolver e desempenhar na sociedade o nosso trabalho com autoridade e respeito, sem que nos subestimem por ser mulher negra”, pontuou.
Maria Luisa lembra que a sociedade está constantemente querendo definir como as mulheres negras devem ser, mas com a maturidade ela percebeu que pode ser quem quiser: “A maturidade nos reforça, claro que entre alguns receios e excitações, ela me deixa segura do que posso, devo e quero fazer por mim e sigo adiante no meu propósito. E nesse mundo e desde sempre a mulher negra é inferiorizada e o que nos faz seguir adiante é a resistência”.
De olho na sua saúde e bem-estar, a empreendedora diz: “com o passar do tempo, com a idade, eu quero estar bem com a minha saúde, onde eu possa comer com qualidade sem exageros, poder me exercitar, ter momentos de lazer, passeios, viagens, encontros familiares e ler livros.
Marciele Moreira, mãe solo de Emanoel Moreira
Desenvolvendo um dos trabalhos mais desafiadores do mercado, a maternidade, Marciele Moreira é a única responsável pela criação do filho Emanoel, de 5 anos, e contou seus anseios diante de uma sociedade que exclui as mães e crianças atípicas: “É difícil pensar em perspectiva de futuro, porque mal damos conta do hoje o que dirá o amanhã. Mas eu tenho sonhos de poder voltar esse meu olhar, futuramente, após trabalhar o que for necessário no Emanuel, de voltar esse olhar para mim, para o meu autocuidado, para o meu lazer, para minha vida profissional e pessoal, quero estudar algo, voltar a trabalhar, conquistar minha independência financeira e parar de depender de benefícios governamentais. Meu intuito para o Emanoel é desenvolver ele o suficiente para que ele consiga ter uma vida mais independente possível, sem necessidade de muito suporte.”
“Hoje, por exemplo, ele tem muita dificuldade em lidar com frustrações, com negativas, apresenta algumas dificuldades nas relações interpessoais. E o que a gente trabalha hoje é justamente para que lá na frente ele consiga criar estratégias para lidar com os sentimentos, as emoções que surgem dessas dificuldades, para que ele consiga se desenvolver muito melhor nas relações a partir de novas estratégias.”
“Gostaria, é claro, que num futuro distante eu não precisasse me preocupar se ele conseguiu acompanhar o conteúdo da escola. Que ele não seja excluído socialmente, não sofra bulliyng. Mas acima de tudo, gostaria que o Emanoel não precisasse de suporte, porque nessa sociedade em que vivemos já é difícil viver sem suporte algum, quem dirá quem precisa de um”.
Ela conclui ainda com um pedido importante: “Uma das coisas que eu tenho muita dificuldade hoje, e que eu espero que melhore a longo prazo, é que o mercado de trabalho se prepare mais e se torne mais flexível e inclusivo para as mulheres, mães solo que não possuem rede de apoio, mas que ainda assim desejam retomar sua independência financeira”.
Seja como mãe solo, caso de Marciele Moreira, como empreendedoras e mulheres negras que chegaram aos 60 anos, exemplo de Maria Luisa Souza, como mulheres que escolheram escrever contos sobre o desejo sexual feminino negro, como Monique dos Anjos, como Juliana Gonçalves, que enveredou pelos caminhos do ativismo social ou como aquelas que tiveram como missão liderar seu terreiro e lutar contra a intolerância religiosa, como a Ialorixá Jaciara Ribeiro, na Bahia, as mulheres negras sabem bem quais são suas demandas. Nós queremos ser ouvidas, atendidas e respeitadas e isso não é apenas um desejo, é sobre nosso direito de existir.
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