Texto: Luciano Ramos
A prisão de MC Poze do Rodo, nesta semana, ganhou repercussão não apenas pelo suposto crime investigado, mas pela forma como foi conduzida e divulgada. Um artista jovem, negro, descalço, sem camisa, algemado, cercado por policiais fortemente armados. Uma cena que não é apenas policial, mas profundamente simbólica: trata-se da reafirmação de um lugar social historicamente reservado ao homem negro no Brasil — o lugar da subjugação e da exposição.
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Não cabe aqui julgar se MC Poze é culpado ou inocente. Isso é papel da Justiça. O que cabe é refletir sobre a maneira como corpos negros são tratados publicamente quando envolvidos em processos legais, e o que essa encenação institucional e midiática revela sobre o país.
O corpo negro como ameaça
O filósofo Frantz Fanon escreveu, em Pele Negra, Máscaras Brancas, que “o negro não é um homem, é um negro”. Ou seja, o sujeito negro, nos marcos das sociedades colonizadas e racializadas, não é reconhecido por sua humanidade plena, mas reduzido a um marcador racial carregado de estigmas. Na prisão de MC Poze, o que se vê não é apenas um suspeito sendo conduzido: é um espetáculo de contenção do corpo negro que ousou sair do lugar socialmente previsto.
O sucesso de MC Poze incomoda porque fere a lógica da punição estrutural. Um jovem de origem periférica, funkeiro, que alcança fama, dinheiro e voz — tudo isso desafia o pacto tácito que reserva à juventude negra a marginalização. Quando ele cai, a sociedade assiste com prazer. Não é justiça. É vingança simbólica.
Brancos blindados, negros expostos
Enquanto MC Poze é arrastado publicamente, descalço, temos figuras brancas envolvidas em escândalos de grande porte sendo tratadas com absoluto cuidado. A influenciadora Virgínia Fonseca, convocada recentemente para depor na CPMI das apostas, foi recebida com tapete vermelho simbólico: roupas de grife, maquiagem impecável, fotos amigáveis da imprensa.
O contraste entre o tratamento reservado a corpos brancos e negros é gritante. Não se trata apenas de classe social, mas de um código racial que informa como o Estado e a mídia devem tratar cada tipo de corpo.
O corpo negro é descartável, punível, animalizável. O corpo branco é humano, compreensível, passível de mediação.
A animalização do homem negro
Angela Davis já dizia: “Nos Estados Unidos, a prisão é o destino mais provável para os jovens negros. No Brasil, não é diferente.” A prisão, em sua materialidade, é também um espaço simbólico de desumanização, onde o sujeito negro é reduzido a um número, a um risco, a uma estatística.
No caso de Poze, não bastava ser preso. Era necessário ser exibido. Desnudo. Suado. Contido. A lógica é clara: mostrar que, por mais dinheiro, fama ou seguidores que tenha, o homem negro sempre pode ser trazido de volta ao seu lugar de origem: o chão.
Como alerta o filósofo Achille Mbembe, “a negritude é construída como aquilo que pode ser morto ou deixado morrer sem consequências.” O Brasil não mata Poze, mas o desumaniza em praça pública. E isso também é uma forma de assassinato: um assassinato simbólico da dignidade.
A encenação do castigo racial
A mídia cumpre aqui um papel cúmplice. Ao exibir repetidamente as imagens de um homem negro sendo humilhado, reforça o imaginário coletivo do negro como criminoso nato. E o que é mais perverso: transforma o castigo em espetáculo, a punição em entretenimento.
O Estado brasileiro, por sua vez, se orgulha de sua eficácia punitiva quando o réu é negro. O mesmo Estado que se mostra moroso, protocolar e até protetor diante de brancos acusados de fraudes milionárias. A desigualdade não está só na pena. Está no gesto. Está na imagem. Está na encenação.
Conclusão: até quando?
MC Poze pode ou não ser culpado. Isso será definido em juízo. Mas a forma como foi tratado, já condenado pela exposição pública, mostra que o Brasil ainda não aceita que homens negros possam ser plenamente humanos, com dignidade.
Aqui não estamos julgando a justiça brasileira acerca da culpabilidade de MC Poze e isso precisa ficar bem entendido. Estamos questionando o método que sempre define como as pessoas negras serão tratadas. E, neste caso, o ocorrido com Poze nos mostra como se dá esse fenômeno constante.