Mundo Negro

Conheça a história por trás da “Tapioca das Pretas”, a mais famosa tapiocaria de Goiás

As irmãs que conquistaram o público através das tapiocas batizadas com nomes de mulheres negras influentes

A história da “Tapioca das Pretas” explica tamanho sucesso da tapiocaria mais famosa de Goiás; vinda de uma pequena cidade do interior de Tocantins tentar a sorte na capital de Goiás. Enfrentaram o racismo, preconceito e as dificuldades de abrir um novo negócio.

As irmãs Preta Neiva e Preta Josi, nome artístico adotado por elas, são sócias e tocam juntas o empreendimento desde 2015. Participaram do programa de TV “Caldeirão do Huck”, da Rede Globo, em novembro de 2018 e ganharam grande visibilidade desde então.

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Confira na íntegra a entrevista inspiradora com as irmãs: 

“Enfrentamos preconceito, atos racistas… A gente pegou, colocou no bolso e seguiu, continuou o nosso empreendimento. Para mulher parece que as coisas são mais complicadas ainda”

MUNDO NEGRO: O que as levou a sair de Tocantins para Goiás?

TAPIOCA DAS PRETAS: Bom essa é uma história longa, temos motivos diferentes. Nossa vida no Tocantins era bastante simples, crescemos juntas, nossos pais são lavradores, vivíamos da roça. Nós duas sempre fomos vendedoras – vendíamos coisas para terceiros, colocávamos a bacia na cabeça e íamos trabalhar. 

A Josi foi a primeira a se aventurar. Assim que terminou ensino médio, tomou a decisão de ir para Goiânia, porque lá no interior as pessoas falavam muita fantasia da capital de Goiás. Para nós, lá era a melhor capital do mundo! Então ao completar 18 anos, em 2011, ela decidiu que se mudaria para Goiana para estudar, ter uma profissão e dar uma vida melhor aos pais. O sonho é reformar a casa deles!

A Neiva era casada, trabalhava, tinha uma filha, porém as coisas não seguiram como ela planejou; se separou, e a convite da irmã, deixou tudo para trás e também foi para o estado de Goiás. 

MUNDO NEGRO:  Qual a relação de vocês com a tapioca?

TAPIOCA DAS PRETAS: Desde criança temos contato com “beiju”* era nosso alimento primário, já que nossos pais plantavam mandioca. 

*Beiju é a forma que a “tapioca” é chamada na cidade natal das irmãs.

 

MUNDO NEGRO: Qual a maior dificuldade enfrentaram ao empreender?

TAPIOCA DAS PRETAS: Nós empreendemos no momento de necessidade. Quando a Neiva chegou em Goiânia encontrou a Josi desempregada e sem receber o acerto trabalhista; lembro que não tínhamos dinheiro, começamos com R$50 e com ajuda de nossa família.

Começar não foi nada fácil! O financeiro dificultou muito. Consolidar nosso empreendimento foi uma tarefa complicada, cada dia uma dificuldade diferente! Encontrar nosso espaço aqui foi muito difícil; fazer os clientes confiarem no nosso trabalho, desafiador.

Aí você imagina: 30 dias empurrando um carrinho e, no fim do mês, retirar R$50 cada uma para comer, pagar aluguel, água, luz… Chegava a ser assustador! Mas não desistimos, persistimos até hoje (risos).

Antigo carrinho utilizado pelo Tapioca das Pretas

MUNDO NEGRO: Qual critério utilizaram para escolher o nome que batizariam cada tapioca? Por que mulheres pretas? 

TAPIOCA DAS PRETAS: Quando estávamos na parte de criação da empresa discutimos entre os nomes da empresa, os quais seriam: Tapioca Tocantinense ou Tapioca das Pretas; fizemos uma votação entre a família e Tapioca das Pretas venceu. 

Combinava mais com nós duas, pela história de vida e dificuldades que enfrentamos desde pequenas; então, com esse nome, teríamos um escudo de força, de empoderamento, usaríamos esse nome como arma de luta diária e para enaltecer as nossas origens. 

Como a Josi fazia faculdade, toda empolgada ela compartilhou com colegas e professora sua ideia de empreender; nesse meio tempo essa professora sugeriu que batizassemos a tapioca com nomes de mulheres negras – já que o nome tinha uma referência direta a nós mulheres negras.

Gostamos da ideia e fomos pesquisar  nomes de mulheres de referência e inspiração para nós, para batizar as tapiocas com, inclusive nossas genitoras. A escolha de cada tapioca ao respectivos nomes foram aleatórios, por exemplo: Beyoncé = Frango com Requeijão. Começamos com cardápio com nomes de quase 40 mulheres, queríamos homenagear todo mundo! (risos)

Hoje nosso cardápio leva com inspiração nomes como:

Elza Soares, Margareth Menezes, Taís Araújo, Sheron Menezes, Dandara dos Palmares, Albaniza de Sousa (Mãe Neiva), Angelina Luiz (mãe Josi), Marielle Franco, Zezé Mota, Viola Davis, Michele Obama, Iza, Karol Konká, Glória Maria, Alcione… Tem até lista de espera! (risos)

 

MUNDO NEGRO: Qual o segredo do sucesso do “Tapioca das Pretas”? 

TAPIOCA DAS PRETAS: Costumamos dizer que Deus sempre nos abençoou e a forma nós trabalhamos fez todo sucesso. A gente trabalha levando alegria para pessoas! Além de vendermos as tapiocas, levamos alegria através de nosso produto;  o cliente tem uma experiência com a gente, fazemos a diferença, mesmo que  pequena, no dia dele. Alegria é o nosso nome!

Nós fazíamos um auê quando tínhamos o carrinho: andávamos nas ruas empurrando ele e  não tinha um ser vivo que a gente não mexia! Quem olhava a gente nessa alegria achava que estávamos derramando dinheiro. (risos)

As irmãs Josi e Neiva quando ainda utilizavam o carrinho para venderem sua tapioca

MUNDO NEGRO: O que mudou após a aparição no Caldeirão do Huck?

TAPIOCA DAS PRETAS: Depois que participamos do Caldeirão do Huck nosso empreendimento estava, por exemplo, em 2% e passou para 99%, mudou tudo! Vieram mais pessoas, mais pessoas conheceram nosso trabalho. Nas redes sociais a procura foi muito grande… A gente não conseguia atender todo mundo! (…) A experiência foi muito boa. Ganhamos muito aprendizado! Enxugamos até o cardápio (que continha cerca de 40 sabores).

 

MUNDO NEGRO: Qual a dica que vocês podem dar para outros afroempreendedores?

TAPIOCA DAS PRETAS: Empreender não é fácil! Se a gente falar que é fácil, estaremos mentindo. Ainda mais quando se diz que é preto. A gente enfrentou muita coisa. Enfrentamos preconceito, atos racistas… A gente pegou, colocou no bolso e seguiu, continuou o nosso empreendimento. Para mulher parece que as coisas são mais complicadas ainda. Além do racismo, ainda sofremos muito abuso vindo dos homens, clientes que acham que tem direito de dar em cima, falar coisas desconfortáveis. Você acaba só podendo “sorrir”, pois se responder para ele te respeitar, perde o cliente. Não é tarefa fácil! Foi através da persistência que chegamos até aqui. Não é fácil nos derrubar não, viu!? 

(…) A persistência é essencial, a cada queda aprendemos uma coisa nova. Através dos erros aprendemos também. Não desista por nada, nem ninguém, dos seus sonhos. 

MUNDO NEGRO: Qual a sensação de ser referência no ramo de Tapioca em Goiás?

TAPIOCA DAS PRETAS: Ser referência no estado de Goiás, ter uma das tapiocas mais famosas do Brasil, é uma honra! Ser reconhecida pelo seu trabalho, seu esforço. A gente quer levar alegria e comida boa para as pessoas, mostrar nosso trabalho e capacidade. É uma honra!

MUNDO NEGRO: Pretendem expandir para outras cidades/estados?

TAPIOCA DAS PRETAS: Nossa intenção é crescer em Goiás primeiro. Mas se for da vontade de Deus, queremos levar para outros lugares, sim! O pessoal de fora cobra muito. Recebemos sempre mensagem do pessoal de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, dizendo que tem vontade de experimentar. Nossa intenção, agora, é abrir uma loja aqui e fazer com que todos de Goiás tenham a oportunidade de experimentar a Tapioca das Pretas!

Finalizamos nossa entrevista com uma dica das irmãs empreendedoras: “A gente quer ver os pretos dominando o mercado. Quem estiver pensando em empreender, bote a ideia no papel e arrisca! Não tenha medo, ele impede muitas coisas. 

Lugar de preto é onde ele quiser estar.

Atual ponto de vendas da Tapioca das Pretas

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