Mundo Negro

Chef Paulo Rocha volta às suas origens na Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte (MG) 

No dia 04 de Outubro de 2022 o reconhecido chef confeiteiro Paulo Rocha voltou à Chapada do Norte (Vale do Jequitinhonha – MG) para visitar sua vó (dona Zizi) e para descansar. Como ele já havia falado para mim com muito entusiasmo sobre a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte, pedi que ele registrasse sua passagem pela cidade e fizesse fotos para que pudéssemos contar essa história aqui no Mundo Negro. Você está sendo convidado a conhecer um pouquinho mais sobre a história e cultura religiosa e gastronômica de uma festa que exalta o povo preto e nossa ancestralidade. E te dou um spoiler: tem receita do chef Paulo Rocha no final.

Legenda: Igreja de Nossa Senhora do Rosário

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Crédito: Viviane Soares Alves

Onde fica Chapada do Norte

Chapada do Norte é um município de aproximadamente 16 mil habitantes, no norte do estado de Minas Gerais em uma região conhecida como Vale do Jequitinhonha. Fica entre cidades mais conhecidas como Governador Valadares, Teófilo Otoni e Montes Claros. Abaixo no mapa você poderá se localizar.

Fonte: Google Maps

A cidade é marcada por resistência quilombola – visto que no passado foi um quilombo e é dessa ancestralidade que surge a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte. Hoje, é um dos municípios com maior população negra na região Sudeste de acordo com o último censo (92% da população) e são 14 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Palmares.  Logo, as manifestações folclóricas que reverberam as tradições da cultura africana são mantidas, sendo a festa uma delas. 

Legenda: Congado no sábado de Buscada da Santa.

Crédito: Viviane Soares Alves

A Coroa Real da Festa

Com um ano de antecedência é escolhida a Coroa Real da a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte do ano seguinte. Existem o Rei e a Rainha e também a Rainha Encostada. O Rei e Rainha são aquelas pessoas que precisam estar dispostas a trabalhar, gerenciar e realizar a festa. Já a Rainha Encostada  geralmente é uma devota da VIrgem do Rosário que possui uma promessa alcançada a pagar. Nos cortejos da festa, os encostados vêm atrás do Rei e Rainha. 

Legenda: Rei e Rainha de 2023. Marília é tia do chef Paulo Rocha.

Crédito: Paulo Rocha

A Festa

Quem se junta a Paulo Rocha para me ajudar a contar essa história é seu primo Maurício Aparecido Costa – que é Procurador Geral da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte e também secretário municipal de Cultura e Turismo do município.

Conforme aponta Maurício, “a primeira Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte é datada de 1822 – de acordo com o estatuto da Irmandade do Rosário. Mas antes desta data existem relatos de reuniões de irmãos do Rosário.” E em 2013 recebeu o título de Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do estado de Minas Gerais (título concedido pelo IEPHA em Maio de 2013). Conforme destaca Maurício, é a única celebração religiosa do estado de Minas Gerais que recebeu este título. Na percepção dele, o que contribuiu para que esse título fosse conquistado foi a preservação da essência, a história e os valores da festa.

Legenda: Tamborzeiros mirins da festa (nova geração).

Crédito: Viviane Soares Alves

A festa é composta por irmãos do Rosário e  devotos da Virgem do Rosário. A celebração foi iniciada este ano no primeiro dia de Outubro com o Meio Dia das Novenas com a Banda Filarmónica Santa Cruz à frente da Capela do Rosário e com a presença do Rei e Rainha da festa – e com fogos de artifícios para celebrar ainda mais o início da festa. À noite, tem-se a primeira noite da novena e os oito dias seguintes também são realizados na Capela do Rosário. 

Na quinta feira seguinte, na parte da manhã, há a celebração que tem a maior participação popular na Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte: a Lavação da Igreja – um ritual preparatório para as últimas celebrações religiosas da festa. A congada vai até as casas do Rei e a Rainha e as pessoas de comunidades quilombolas descem neste cortejo para o rio Capivari. Com baldes na cabeça, as pessoas trazem a água para lavarem a Capela do Rosário. A lavagem agora é simbólica para evitar cupim e não estragar alguma estrutura do local. As pessoas passam o dia na igreja limpando os castiçais e os materiais sacros a fim de deixar o local ainda mais lindo para os Tamborzeiros do Rosário, devotos, visitantes e a população em geral para fazer um batuque. Deste festejo, eles descem para a casa da Rainha para servirem o angu – uma comida tipicamente africana. 

Legenda: O transporte das águas do rio Capivari

Crédito: Viviane Soares Alves

E é aqui que entra o Preto Gourmet com a Gastronomia. Tem o molho de angu, molho de quiabo, molho de feijão e molho de fava. Este angu é servido gratuitamente para todas as pessoas que ali estiverem. 

A Buscada da Santa

Uma encenação teatral que acontece na porta da Capela do Rosário. Como afirma Maurício, “(…) como aprendemos com os nossos antepassados que os negros não tinham as mesmas possibilidades de participar das celebrações religiosas nos séculos passados mesmo antes de Chapada do Norte ser um município. O povo preto se reunia para rezar em lugares isolados. E em um desses lugares isolados (Córrego do Rosário), apareceu uma imagem de Nossa Senhora do Rosário. Os brancos devotos desceram, pegaram essa imagem e trouxeram para o local que hoje é a capela.  Mas, misteriosamente, a imagem sumiu (e isso aconteceu mais duas vezes). E foi então que os negros decidiram buscar a imagem, do jeito que eles sabiam: cantando, adorando e louvando. E, assim, permanece até hoje na capela”. Em outras palavras, foram  pelas mãos do povo preto que a imagem ficou definitivamente no local.

Legenda: A Buscada da Santa na Gruta do Rosário

Crédito das Fotos: Paulo Rocha

A Gastronomia

A culinária mineira é rica e farta e não seria diferente na a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte. Além dos angus e seus molhos, tem os doces que são entregues para quem está celebrando a festa (doce de leite, de casca de laranja, de batata, de mamão, de fava) e quitutes (biscoito de polvilho e rosquinhas doces). 

Legenda: Quitutes preparados pelos religiosos e habitantes da cidade

Crédito: Viviane Soares Alves

E por falar em doce, é claro que eu pedi ao chef Paulo Rocha para trazer uma receita de doce de leite mineiro para que a gente possa reproduzir e tentar ter aquele gostinho da a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte ao terminar essa matéria. Com vocês, a receita tradicional de doce de leite mineiro do chef Paulo Rocha. 

Crédito: Stella Kiss

Ingredientes

2 L de Leite Integral

200g Açúcar Refinado

Modo de Preparo

Colocar na panela em fogo médio e mexer até obter a consistência do doce que você desejar: se quer mais duro, deixar mais tempo; se quer mais cremoso, tira do fogo assim que chegar nessa textura. 

O segredo de um bom doce de leite mineiro é ser feito em um tacho de cobre – mas também pode ser feito em panela de ferro.

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