Por Priscilla Arantes
Empreender no Brasil é um desafio: criar e gerenciar um negócio próprio, assumindo os riscos que envolvem o processo de começar e administrar uma empresa em meio a um ambiente de negócios complexo e burocrático, além de questões como a alta carga tributária, a falta de acesso a crédito e a infraestrutura precária em algumas regiões do país, torna a aventura insustentável.
Ainda assim, o empreendedorismo no país teve um crescimento significativo nos últimos anos, especialmente a partir dos anos 2000. São diversas oportunidades para quem une criatividade e inovação ao criar um negócio, sobretudo em setores como tecnologia, energia renovável e serviços. Esse aumento pode ser explicado por diversos fatores, como a estabilidade econômica na ocasião, a maior acessibilidade ao crédito e a mudança na mentalidade dos brasileiros em relação ao empreendedorismo.
O surgimento do MEI (Microempreendedor Individual) em 2008 foi um marco importante para a formalização de pequenos negócios no Brasil. O MEI é uma categoria criada pelo Governo Federal que permite que pessoas que trabalham por conta própria possam se formalizar, pagando uma taxa mensal reduzida e tendo acesso a benefícios previdenciários e a serviços bancários com condições especiais.
Desde a sua criação, o MEI tem sido uma opção atrativa para muitos empreendedores brasileiros. Ele foi o caminho escolhido também para os milhares de desempregados que surgiram com um contexto político, social e econômico dos últimos anos. Abrir seu próprio negócio foi uma opção encontrada por quem perdeu seu emprego. Atualmente, são mais de 14 milhões de registros ativos. Só em 2021 foram 3 milhões de cadastros.
A formalização dos pequenos negócios também contribuiu para o crescimento do empreendedorismo periférico, conceito que descreve a atividade empreendedora que ocorre em áreas periféricas ou regionalmente marginalizadas. Ou seja, em regiões com menor acesso a recursos econômicos, sociais e culturais.
No Brasil, o empreendedorismo periférico tornou-se uma forma importante de geração de renda e desenvolvimento local. Mas se para o empreendedor não periférico o cenário econômico já é desafiador, imagine para quem foi (e ainda é!) historicamente marginalizado, limitado ao trabalho braçal e com capital intelectual desvalorizado ou roubado. E, apesar da ferramenta de formalização, o desemprego ainda é um grande problema no Brasil (e sabemos que nas periferias, esse é um cenário ainda mais desolador). Nos últimos anos, a taxa de desocupação tem sido alta, chegando a atingir 14,7% em 2020, segundo dados do IBGE. Isso significa que muitas pessoas que perderam seus empregos optaram por abrir seu próprio negócio, muitas vezes sem muita preparação ou planejamento adequado. E como valorizar e visibilizar diferentes culturas e saberes descolonizados, aplicados em uma atividade profissional?
De acordo com a Adriana Barbosa, idealizadora da Feira Preta e CEO do Preta Hub, ambos negócios voltados para empreendedores periféricos, a solução está no trabalho em rede. Adriana revolucionou o empreendedorismo negro e periférico quando, em 2002, lançou a Feira Preta, o maior festival de cultura afro da América Latina. E com a bagagem (pesada!) de mais de 20 anos de Feira Preta, ela afirma que a participação coletiva é forte aliada para fomentar e valorizar negócios periféricos.
Em 2022, foi realizado o projeto “Conversando a gente se aprende”, parceria do Preta Hub com o Sistema B Brasil, com intuito de desenvolver ações, compromissos e práticas de promoção das equidades interseccionais. A ideia era trazer a óptica de raça e social para dentro do Movimento B e na sua relação com seus diversos stakeholders, ampliando ainda mais o impacto positivo.
E sob o direcionamento da Adriana, que percorreu essa estrada sem pavimento e se tornou referência, reuni aqui algumas sugestões de caminhos para que as empresas possam se tornar fortes aliadas nessa luta pela justiça social e redução das desigualdades.
Existem diversas maneiras de apoiar os negócios periféricos: fornecer capacitação e treinamento em gestão de negócios, acesso a recursos financeiros e tecnológicos, criar parcerias com empreendedores locais, apoiar a organização de redes e associações de empreendedores e investir em projetos de desenvolvimento comunitário.
Além disso, as empresas podem contribuir para a promoção da diversidade e da inclusão, reconhecendo e valorizando as iniciativas periféricas, e incorporando a visão dessas empresas em suas estratégias de negócios. O importante é sempre ter um olhar verdadeiramente empático e disposto a entender realidades e necessidades diferentes desse público. As empresas precisam compreender essas diferenças se querem abraçar a diversidade. Com essas medidas, é possível contribuir de maneira mais efetiva para transformar a realidade econômica e social das comunidades periféricas e construir um ambiente de negócios mais justo e sustentável, capaz de criar pontes com realidades múltiplas.
Se queremos diminuir a desigualdade social, apoiar o empreendedorismo periférico é uma forma de ampliar a distribuição de renda, abrindo portas para uma população que não costuma ter acesso a elas. O empreendedorismo periférico é considerado uma forma de resistência à falta de oportunidades e à exclusão social, pois permite que as pessoas criem seus próprios negócios e gerem renda não só para si, mas para suas comunidades, trazendo o dinheiro para focos diferentes dos centros tradicionais, onde esse público ainda é excluído. Mais sustentável do que um negócio periférico eu desconheço. E a intencionalidade de valorizar e visibilizar diferentes culturas e saberes descolonizados é o que impacta positivamente especialmente comunidades periféricas, e promove o equilíbrio social e um futuro inclusivo.