Empresas que apostam em diversidade têm mais chances de sucesso financeiro, segundo dados da McKinsey & Company. O estudo de 2023 revela que organizações com diversidade étnica e racial entre colaboradores têm 35% mais chances de obter rendimentos acima da média do setor, enquanto companhias com maior diversidade de gênero apresentam 15% mais chances de superar financeiramente suas concorrentes. Essa correlação reforça a importância de políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), não apenas como instrumentos de justiça social, mas também como estratégias de competitividade.
A relevância do tema se torna ainda mais evidente diante de um cenário global desafiador. Em 29 de junho de 2023, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a raça não poderia mais ser utilizada como critério para a admissão de estudantes nas universidades do país. Essa decisão resultou no encerramento de ações afirmativas em diversas instituições norte-americanas, impactando principalmente a população negra. A situação foi agravada por uma onda de conservadorismo político iniciada com a eleição de Donald Trump e culminou, em dezembro de 2024, com o encerramento dos programas de Diversidade e Inclusão do FBI. Gigantes tecnológicas como Meta e Amazon seguiram a mesma direção, anunciando o fim de suas iniciativas de DEI.
No Brasil, onde as desigualdades raciais são estruturais, essas mudanças internacionais acendem um alerta. Estudos como o “Perfil Social, Racial e de Gênero das 1.100 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas 2023-2024”, divulgado pelo Instituto Ethos, mostram que mulheres negras ocupam apenas 3,4% dos cargos de liderança e que pessoas negras representam 5,9% dos conselhos empresariais. Essas estatísticas evidenciam o longo caminho a ser percorrido para alcançar a equidade racial no ambiente corporativo.
“Neste cenário, o papel dos líderes corporativos vai além de simplesmente resistir à pressão contrária: eles também têm a missão de inspirar uma nova geração de gestores e organizações. O fortalecimento contínuo de ações afirmativas por parte desses líderes, aliado à disponibilização pública de dados internos que comprovem o desenvolvimento e os resultados dos programas de DEI, representa uma das principais formas de enfrentar esse movimento contrário. Assim, ao priorizar a equidade racial como um eixo central de suas estratégias, líderes que apoiam agendas transformadoras estão se posicionando que investir em inclusão é uma resposta estratégica e prática para os desafios que interseccionam diversas comunidades ao redor do mundo”, destacou o Gerente Executivo do Pacto da Equidade Racial, Guibson Trindade, em entrevista concedida para o Mundo Negro.
Confira a entrevista completa:
Mundo Negro – Como avalia o impacto das reversões de políticas de DEI nas gigantes tecnológicas, como Meta e Amazon, para a promoção da equidade racial no ambiente corporativo? Quais mensagens essas decisões passam para o mercado global?
Guibson Trindade – Embora essas alterações possam ser interpretadas como parte de ajustes estratégicos, é essencial considerar suas implicações no enfraquecimento de esforços contínuos no ambiente corporativo para reduzir desigualdades históricas e na limitação da inclusão de talentos de grupos sub-representados, como a população negra.
No plano simbólico, essas decisões podem ser interpretadas de diferentes formas no mercado global. Setores que anteriormente se destacavam em práticas de inclusão e responsabilidade social, ao reconsiderarem seus compromissos de DEI, podem transmitir a ideia de que a diversidade é uma prioridade que pode variar conforme o contexto econômico ou estratégico. Essa mudança de postura pode gerar percepções distintas em relação ao discurso desses setores, influenciando sua credibilidade perante stakeholders que, cada vez mais, consideram as práticas de ESG em suas decisões.
Por outro lado, é relevante observar que o impacto dessas mudanças pode variar de acordo com o contexto cultural e histórico de cada país. Em lugares como o Brasil, que carrega o legado de ser uma das últimas nações a abolir a escravidão, o desafio da equidade racial assume características particulares. A ausência de políticas públicas robustas e o histórico de sub-reparação das populações negras tornam ainda mais relevante a adoção de iniciativas corporativas que se comprometam de maneira consistente com a equidade racial. Nesse sentido, enquanto em alguns mercados essas reversões podem ser vistas como ajustes pontuais, em países como o Brasil, elas podem ser percebidas como retrocessos no enfrentamento das desigualdades estruturais.
MN – No caso da Meta, como o Pacto de Promoção da Equidade Racial enxerga a obrigação de adaptação às leis brasileiras de combate à discriminação?
GT – A promoção da equidade racial no Brasil exige a adoção de políticas alinhadas às leis brasileiras de combate à discriminação, representando um compromisso ético, responsável e conforme as normas legais vigentes. O Brasil possui um arcabouço jurídico robusto para o enfrentamento ao racismo, que inclui a Constituição Federal, cujo artigo 5º assegura a igualdade de todos perante a lei e proíbe qualquer forma de discriminação, e a Lei 12.288/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, consolidando direitos e diretrizes para a promoção da equidade racial em diversas esferas, incluindo o mercado de trabalho.
Ao se alinhar às leis brasileiras e reforçar o compromisso com a equidade racial, as grandes organizações não apenas cumprem suas obrigações legais, mas também demonstram liderança e influenciam positivamente o avanço de uma agenda corporativa mais inclusiva, dedicada ao enfrentamento das injustiças sociais.
MN – Ao anunciar o encerramento de programas de DEI nos EUA, a Amazon argumentou “falta de resultados comprovados” como justificativa. Como combater essa narrativa?
GT – A justificativa de “falta de resultados comprovados” para encerrar programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) em alguns mercados pode ser contextualizada de forma diferente em países como o Brasil, onde existem ferramentas e estudos que demonstram os benefícios concretos dessas iniciativas. No Brasil, instrumentos como diretrizes de ESG voltadas à equidade racial ajudam a mensurar os avanços alcançados por políticas voltadas à inclusão e à diversidade no ambiente corporativo.
A narrativa de falta de resultados pode não se aplicar a contextos onde a equidade racial é tratada com seriedade, como no Brasil. Ferramentas e estudos globais divulgados publicamente oferecem exemplos concretos de como investir em DEI pode ser uma estratégia eficaz, trazendo benefícios tanto sociais quanto econômicos, e contribuindo para o fortalecimento das organizações em termos de sustentabilidade e competitividade.
MN – A pressão de grupos conservadores e seus representantes, como Elon Musk, tem reforçado o discurso contra a DEI. Qual é o papel de líderes corporativos comprometidos com a equidade para enfrentar essa resistência?
GT – Neste cenário, o papel dos líderes corporativos vai além de simplesmente resistir à pressão contrária: eles também têm a missão de inspirar uma nova geração de gestores e organizações. O fortalecimento contínuo de ações afirmativas por parte desses líderes, aliado à disponibilização pública de dados internos que comprovem o desenvolvimento e os resultados dos programas de DEI, representa uma das principais formas de enfrentar esse movimento contrário. Assim, ao priorizar a equidade racial como um eixo central de suas estratégias, líderes que apoiam agendas transformadoras estão se posicionando que investir em inclusão é uma resposta estratégica e prática para os desafios que interseccionam diversas comunidades ao redor do mundo.
MN – As empresas ligadas ao Pacto têm demonstrado interesse em reverter ou mudar programas de DEI para se alinhar aos movimentos conservadores dos EUA?
GT – As empresas engajadas no Pacto de Promoção da Equidade Racial, que já somam mais de 80 organizações, têm demonstrado um crescente compromisso com a construção de ambientes mais diversos e inclusivos, atentos às realidades e desafios do Brasil. Embora as pressões de tendências globais, incluindo movimentos conservadores de países como os Estados Unidos, sejam notáveis, essas empresas têm se mostrado resilientes e conscientes da importância de adaptar suas estratégias de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) às particularidades nacionais.
Não observamos, entre as empresas associadas ao Pacto, um movimento para reverter ou alinhar seus programas de DEI a essas tendências conservadoras. Pelo contrário, muitas dessas empresas têm fortalecido seu compromisso com a equidade racial, reconhecendo que o contexto brasileiro exige ações específicas para combater desigualdades históricas e promover o desenvolvimento sustentável. O engajamento com o Índice ESG de Equidade Racial e o Protocolo ESG Racial reflete que essas organizações estão focadas em avanços estruturados, baseados em métricas claras, resultados concretos e no cenário nacional brasileiro.
MN – Como o Pacto de Promoção da Equidade Racial tem se posicionado em relação a essas mudanças no mercado corporativo? Que mensagem gostaria de passar para empresas brasileiras que desejam manter e fortalecer suas políticas de equidade?
GT – O Pacto de Promoção da Equidade Racial como associação, tem incentivado as empresas brasileiras a se concentrarem nas particularidades nacionais, reconhecendo que as soluções para as desigualdades raciais no Brasil precisam ser construídas com base no nosso contexto social e cultural. Embora seja valioso aprender com as experiências globais, acreditamos que é essencial que as abordagens para a equidade racial no Brasil sejam adaptadas às nossas diversas experiências.
A mensagem que gostaríamos de transmitir às empresas que desejam fortalecer suas políticas de equidade é que existe um caminho viável, claro e positivo. Focar nas particularidades nacionais e investir em iniciativas que considerem o contexto social brasileiro não é apenas uma decisão ética, mas também estratégica. Empresas comprometidas com a promoção da equidade racial estão se posicionando e pensando em um futuro mais próspero, tanto para elas quanto para a sociedade em geral.
O mercado global está atento a essas transformações, e as empresas que tomam a frente nesse processo estarão bem posicionadas em termos de inovação, relevância social e sucesso financeiro.