Onde estão as lideranças negras no mercado de trabalho?

Texto: Juliane Sousa

Não é novidade para ninguém que vivemos em um país extremamente desigual. Isso se reflete em vários setores da nossa sociedade, como o mercado de trabalho. 

A população negra brasileira é maioria (55,8%), mas apenas 33,3% está inserida no mercado de trabalho formal, segundo a pesquisa “Lideranças em Construção – Por que a trajetória de profissionais negros é tão solitária?”, da Indique Uma Preta e da Cloo. 

É muito importante refletirmos por que as pessoas negras ainda precisam lutar tanto para ter acesso a direitos básicos como moradia, educação, alimentação, saúde e trabalho?

Esta desigualdade se acentua nos cargos de liderança nas empresas. O estudo aponta que faltam negros: menos de 5% nas 500 maiores companhias no país. Quando falamos de mulheres negras, somente 31% das posições gerenciais são ocupadas por mulheres negras e os demais 69,9% por mulheres brancas. Dos respondentes autodeclarados pretos e pardos, apenas 8% ocupam estas posições onde trabalham. 

O Brasil é tão diverso como desigual. Esta diversidade é vista na raça, no gênero, na origem, na cultura, na orientação sexual e em outros pilares sociais, porém não em todas as instâncias onde precisa. Há estruturas de exclusão de profissionais negros, que perpetuam e dificultam a ascensão e a retenção deles nas lideranças do trabalho.

Segundo o estudo, já começam na educação (decisiva na contratação) por falha estrutural. O analfabetismo de pessoas pretas ou pardas com mais de 15 anos é de 9,1% e de 3,9% da população branca.

Apesar de a Lei de Cotas aumentar em 205% os universitários negros, somente 21,1% dos respondentes pretos concluíram a graduação e 0,7% ingressaram na especialização. Quanto ao idioma inglês, habilidade essencial, dos 7% que responderam ter fluência, só 3% são pessoas pretas.

Nas respostas, as barreiras sociais que causam a exclusão na jornada profissional incluem discriminação, inércia das lideranças, falta de representatividade, acesso limitado a redes profissionais e para conciliar trabalho, estudos e vida pessoal.

Estas experiências negativas criam outras barreiras, as comportamentais, como sobrecarga cognitiva e bloqueios criativos por perfeccionismo, que os impedem de prosperar e os deixam sem perspectivas.

Sobre ações afirmativas de diversidade e inclusão na empresa, 44% não souberam responder.   Esta falta de oportunidades de crescimento aos profissionais negros traz sofrimento e insegurança psicológica. 

A ausência de políticas de governança e de lideranças engajadas para inclusão gera uma equipe desgastada, instável e com alta rotatividade, sobretudo, das lideranças negras.

Estratégias para incluir, desenvolver e transformar

A pauta D&I no mundo corporativo ganhou destaque nos últimos anos e processos seletivos exclusivamente para profissionais negros se tornou mais frequente, porém, para se chegar às soluções efetivas, é preciso ouvir as experiências e perspectivas desses profissionais.  

Alguns princípios são importantes para o desenvolvimento da carreira profissional de pessoas negras: intencionalidade na promoção, feedback humanizado, claro e constante, líderes engajados, treinamentos, acompanhamento dos acelerados, clareza nos planos de carreira e capacitação reversa.

A comunicação estratégica sobre as ações afirmativas também é uma ferramenta de mudança, inclusive, para inspirar o mercado de trabalho.

Integrar os profissionais negros os potencializa como líderes, inclusive, com função política. Neste sentido, o Sistema B Brasil tem uma agenda de ações institucionais antirracistas, como os letramentos, para auxiliar seu time e suas lideranças a serem mais ativos na promoção de novos talentos e criação de um ambiente diverso e inovador, beneficiando toda uma cadeia de vidas envolvidas.

Além disso, há o coletivo Pretas B, um espaço de encontros, trocas, conexão e acolhimento entre as mais de 100 mulheres negras do Movimento B no Brasil, entre lideranças, colaboradoras de Empresas B e Multiplicadoras B.

Este lugar seguro de aquilombamento propicia o desenvolvimento de carreira e importantes discussões para promoção de ações afirmativas no Sistema B Brasil focadas na equidade racial e de gênero.

É preciso gerar uma real mudança capaz de produzir políticas efetivas de inclusão para o progresso da carreira dos profissionais negros. Para tanto, é necessário conhecer profundamente o racismo e imergir na diversidade brasileira, que abrange diversos marcadores sociais e narrativas potentes que podem combater as desigualdades sociais no mercado de trabalho. São as ações e a procura por mudanças que transformarão esta realidade.   

 * Jornalista quilombola e Gerente  de Comunicação e Marketing do Sistema B Brasil

Obs.: A pesquisa ouviu mais de duas mil pessoas de diferentes raças e localidades do Brasil.  Indique Uma Preta é uma consultoria especializada em Diversidade & Inclusão. Cloo é uma empresa de investigação e consultoria comportamental.

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