* Por Rodolfo Gomes
Eu conheci o Thiago atuando em agências de comunicação, e para mim foi motivo de muita honra encontrar um irmão em um cargo estratégico, pensando em campanhas geniais para grandes marcas. A identificação foi instantânea. Sua genialidade, inteligência e insights foram e são muito relevantes pra mim até hoje. Poder trazer a história de alguém que me inspira por aqui é uma forma de levar mais esperança e fé no futuro do povo preto.
Nascido na cidade de Santos, Thiago Nascimento é filho de escola pública. No fundamental, estudou no ensino municipal, que na cidade de Santos, na época, era conhecido por sua qualidade. Já no ensino médio, migrou para o ensino estadual. Viveu sua vida em bairros diversos, no litoral paulista.
“Meu pai, o Seu Lino, era uma pessoa que me transmitia paz de espírito, quase como um orixá. De todas as pessoas no mundo, ele foi a que mais botou fé no meu potencial, e ainda que sem compreender tecnicamente o que era, sempre celebrou as minhas vitórias.”
Seu Lino trabalhou a vida toda em atividades diversas, principalmente em vendas, e Thiago nunca o viu reclamar. Esse exemplo o inspira até hoje a sempre refletir, antes de reclamar de qualquer dificuldade.
Mais velho de 3 irmãos, Thiago foi a grande referência para seus irmãos e primos. Em São Vicente, morou em regiões periféricas, numa rua que era a última do bairro que tinha asfalto. Convivendo lá com amigos, muitos dos quais já não estão mais vivos. Certa vez, ao sair do campo de futebol do bairro, ouviu tiros da execução de um colega, por questões relacionadas ao crime.
E aos 11 anos, sofreu sua primeira abordagem policial, com direito a “borrachadas” e tudo mais. Produto da periferia, Thiago é desde criança um amante do rap, cujas letras lhe serviram de guia para toda a sua trajetória.
Começou a trabalhar aos 14 anos, numa fábrica de suco de laranja, como ajudante geral. Ele tinha que entregar sucos, e convencer os clientes sobre a qualidade do produto, que por não levar aditivos químicos, por vezes apresentava variações no sabor. Ali, aprendeu sobre o poder de ser convincente.
Saindo da fábrica, foi trabalhar numa gráfica, também como ajudante geral, e adorava acompanhar o trabalho do designer que trabalhava lá. Dali, surgiu o desejo de fazer um curso de ferramenta de edição de imagens, e durante o curso, tendo contato com outras pessoas do meio, entendeu que Publicidade e Propaganda era sua escolha enquanto curso superior.
Com a escolha feita e com o esforço do próprio trabalho e a ajuda dos pais, ingressou na graduação, na Faculdade Santa Cecília, a maior universidade do litoral paulista. Já nos 2 primeiros anos de faculdade, Thiago achava que queria ser redator. Por isso, trabalhou redator neste período. Mas durante uma aula de marketing entendeu que havia uma área, a de planejamento, que se encaixava perfeitamente ao seu perfil e anseios.
Focado em se aprimorar em estratégia, fez diversos cursos dentro do campo de atuação, e ao tentar um estágio na área de planejamento, se deparou com o clubismo, em que apenas profissionais formados em faculdades de elite tinham acesso, e eram escolhidos para as vagas de estágio em planejamento.
Thiago não desistiu e continuou a aplicar as vagas às quais tinha interesse. Em um processo seletivo, com mais de 80 participantes, conseguiu se destacar pela competência durante as dinâmicas do processo e foi aprovado para uma vaga de estágio em planejamento em uma grande agência de publicidade.
Lá, encontrou grandes feras de planejamento publicitário, com os quais aprendeu muito sobre a disciplina. Thiago teve a oportunidade de trabalhar com renomados profissionais, que lhe ensinaram muito, e com os quais teve muita troca.
Ainda durante o estágio, ao olhar para os lados e se comparar com outros profissionais de seu nível, entendeu que estava atrasado em vários aspectos. Cercado por pessoas que tinham muita bagagem cultural, adquirida em intercâmbios, cursos e especializações, entendeu que precisava correr muito mais, para se desenvolver nesses aspectos.
O estigma de preto, pobre e periférico lhe rendeu uma baixa autoestima, que precisou ser trabalhada por Thiago durante o início da sua carreira. Ele não se achava ainda bom, à altura das posições que almejava alcançar.
Com sua tia avó, Dona Dindinha, que só estudou até o 4º ano por ser preta, aprendeu o poder da leitura e sempre o colocou em prática.
Investindo todo o dinheiro que sobrava em livros, cursos e viagens, foi se especializando, se cercando do que tinha de melhor no mercado, para se sentir plenamente capaz de transformar e fazer a diferença.
Conforme foi alçando novas oportunidades, participando de reuniões com grandes executivos das marcas, via que 100% das pessoas tinham pele clara e sobrenomes incomuns. Esse fato lhe chamou a atenção, uma vez que a referência que tinha em casa (sua mãe e suas tias), era a de mérito, e não de elitismo. Nesse momento, Thiago entendeu que precisava ser um ativista dentro do mercado, buscando sempre representatividade nas campanhas das quais participava. Inclusive, encabeçou grandes discussões com diversas lideranças, nos momentos que se fazia necessário, sempre para defender seus pontos de vista.
“Odeio as palavras meritocracia e aspiracional. Elas afastam as pessoas de um Brasil de verdade.”, diz Thiago.
Sua sede por realizar o fez, aos 26 anos, liderar a área de planejamento de uma agência, sendo responsável pela criação de campanhas de grandes marcas. Cursou um MBA na FGV, que lhe chancelou perante os clientes aos quais atendia. Daquele momento em diante, ele via que ter uma instituição de renome pesava muito numa mesa de reuniões, principalmente quando o assunto era estratégia.
“Só estou aqui porque minha mãe, Dona Sandra, foi muito foda antes. Junto com suas 6 irmãs, entendeu que o funcionalismo público era o único caminho no qual mulheres pretas poderiam estar em pé de igualdade com as brancas e se esforçaram para passar em concursos e ocupar cargos, inclusive de liderança.” conta.
Toda essa jornada percorrida por sua mãe permitiu que ele chegasse aonde chegou. Para ele, sempre vão existir as diferenças, mas nós negros temos que chegar antes em algumas coisas, para abrir espaço para os que vem depois. Seu sobrinho, desde os 5 anos, escuta que pode sonhar, que não tem limites para o que ele quiser ser, mas Thiago cresceu acreditando que havia limites para ele e precisou se desfazer dessa crença enquanto trilhava o seu caminho. Mas mesmo assim, ele construiu uma carreira de muito sucesso e reconhecimento, chegando ao cargo de Diretor de Estratégia, em grandes agências de publicidade.
No mercado publicitário, apesar dos avanços, Thiago entendeu que mudar o sistema por dentro, abordando questões de inclusão e diversidade, era um fardo muito pesado. Conversando com sua parceira Débora, planejaram um ano sabático, para amadurecer as ideias e desbravar o mundo. Na época, ambos já trabalhavam de forma remota há um tempo, e decidiram viajar pelo mundo, passando por diversos países, em vários continentes.
“Era uma jornada para me desobrigar de produzir, dar espaço e conhecer o novo. A gente é tão condicionado a ser produtivo, que acha que não é possível apenas viver.”
A jornada se iniciou pelo continente africano. Morando em Cape Town, capital da África do Sul, viu lá uma realidade na qual os pretos ocupavam grandes cargos de liderança, mesmo num país que teve o apartheid até outro dia. Na África do Sul, teve a oportunidade de entender e se questionar o porquê no brasil não podia ser assim.
Durante o ano sabático, se planejou para passar a trabalhar em qualquer lugar do mundo, de forma remota, entregando o trabalho com a mesma qualidade. No início, enfrentou certa rejeição de alguns contratantes, que não estavam preparados para o trabalho remoto, e teve inclusive alguns trabalhos negados. Mas mesmo diante das negativas, Thiago não desistiu do sonho, e insistiu, aumentou sua network, partindo para trabalhos com empresas que topavam seu novo estilo de vida. Hoje, Thiago tem a oportunidade de escolher os projetos que atua, e de onde os fará.
“Amadurecer é saber o que você não quer. E quando você sabe o que não quer, tudo fica mais fácil.”
Com disciplina para administrar sua carreira, os prazos de entrega têm encontrado pessoas dispostas a olhar para a entrega em si e não para o horário em que o trabalho será produzido. Transparente com toda a sua rede, Thiago tem o superpoder de atuar para grandes agências, trabalhando simultaneamente em diversos projetos, o que amplifica ainda mais o seu potencial criativo.
Para o futuro, Thiago e Debora, pais do Noah, de 2 meses e meio, planejam continuar vivenciando outras culturas, por um determinado espaço de tempo, tendo o Brasil como base para começar até o Noah ficar maior para viver as aventuras junto aos pais.
E quando ele se vê em apuros ou mesmo buscando entender quais são seus próximos passos, ele não hesita em perguntar: “O que o seu Lino faria? Com a resposta a essa pergunta eu guio minhas decisões”.
Apesar de todo o sucesso da sua trajetória, Thiago ainda se depara com o racismo, principalmente aqui no Brasil. Em um shopping de São Paulo, num bairro nobre, ele recentemente foi parado e questionado pelo segurança, logo na porta, sobre qual era o motivo da sua visita. É difícil acreditar que em pleno 2021, o racismo no Brasil é ainda muito forte, e que vai demorar para mudar. Ele considera que o Brasil ainda tem muito a evoluir. Para Thiago, desde que os racionais cantavam “sobrevivendo no inferno”, os números que a música menciona só pioraram para os negros. E que a inclusão tem acontecido na base da marretada.
“Estamos pulando a janela e ocupando espaços que não eram nossos. Mesmo na TV, as narrativas continuam as mesmas, com pouquíssimos espaços para pessoas negras, além dos já tradicionais papéis de escravos em novelas de época, ou serviçais em novelas contemporâneas” fala.
Por educação, acesso e compreensão do que pode acontecer, Thiago espera que para seu filho as questões raciais sejam um pouco menos cruéis. Inclusive, atua ativamente para acelerar a inclusão, priorizando sempre que possível junto com a sua mulher, declaradamente uma antirracista, o trabalho de pessoas negras, como a pediatra de seu filho recém-nascido, a doula, entre outros profissionais que o casal contrata. Somente privilegiando profissionais negros, com olhares atentos, no dia a dia, é possível acelerar a diminuição do racismo no Brasil.
“Precisamos estar sempre alertas. Na desatenção, o racismo permanece”
Das frases que Thiago carrega consigo, ele ressalta a dos Racionais, que diz que a vida é batalha, a vida é desafio.
“Eu visto preto, por dentro e por fora. Em qualquer lugar do mundo, toda vez que encontro algum preto, eu o saúdo. Como é tão raro e tão escasso, a gente se reconhece como irmão, e se orgulha de nos vermos ali”.
* Rodolfo Gomes é cofundador da PPTGO, Startup de Tecnologia com foco em apresentações de alto impacto e vídeos interativos e colunista do Black ID.