A única renascença negra plena nos últimos meses foi a da Beyoncé. O pessimismo e o medo voltaram a rondar a comunidade negra de forma global em um último semestre com demissões de pessoas negras e com o desmantelamento de áreas de Diversidade e Inclusão (D&I).
A esperança de um reconhecimento sincero e significativo do impacto do racismo estrutural e implementação de ações em em prol de um mundo menos desigual em termos raciais durou menos de dois anos. Se um caso similar ao de George Floyd acontecesse hoje, dificilmente o mundo pararia como aconteceu em maio de 2020.
Um artigo do Financial Times, assinado por Rana Foroohar, editora de Nova York, faz críticas severas a forma como a D&I foi implementada em algumas empresas e traz exemplos de como os cortes em diversidade em empresas americanas estão chegando até em grandes organizações, como a PwC, que anunciou que os critérios baseados na raça não serão mais usados na concessão de bolsas de estudo ou vagas em programas de estágio.
O texto ainda ressalta o impacto da reversão das ações afirmativas, mais especificamente as cotas raciais, fruto de uma decisão da Suprema Corte americana, o que estaria, de acordo com o artigo, fazendo as empresas reverem suas estratégias de diversidade racial.
E o fantasma da “todas as vidas importam” também chegou a Hollywood. A atriz e produtora Issa Rae declarou que está preocupada com o futuro das produções negras em Hollywood. Em entrevista para a revista Net-A-Porter, a estrela contou que está observando um cenário bem diferente de anos atrás, com a indústria mudando de forma drástica. “Menos histórias negras estão sendo aprovadas e isso já está acontecendo”, disse ela.
“Estamos vendo tantos programas negros serem cancelados, tantos executivos – especialmente do lado de diversidade, equidade e inclusão serem demitidos. Estamos vendo muito claramente agora que nossas histórias são menos prioritárias”, pontuou Issa.
O pessimismo de Issa vem de notícias, como a demissão de Latondra Newton, veterana de seis anos da Disney e diretora de diversidade, que saiu da Disney em junho de 2023. No mesmo mês, a Discovery demitiu sua vice-presidente sênior de diversidade, equidade e inclusão, Karen Horne.
Vernā Myers, primeira chefe de estratégia de inclusão da Netflix, ocupou o cargo por cinco anos até sua saída, em setembro de 2023.
E NO BRASIL, DE MAIORIA NEGRA…
Em 2020, três meses após o assassinato de George Floyd, ofertas de emprego D&I subiram 123%, de acordo com dados do site de empregos Indeed . Esses foram alguns dados trazidos pela colunista do Mundo Negro, Kelly Baptista, atualmente Diretora Executiva da Fundação 1Bi e Top Voices no Linkedin.
Para ela, dois fatores principais levaram aos layoffs no Brasil: “a situação econômica e uma transformação estrutural nas companhias que enxergaram os departamentos de D&I, artigo de luxo”.
“Não é segredo que a soma de D&I faz com que o ambiente e ganhos das corporações se ampliem e performem acima da média, porém nos últimos anos percebemos que estas ações foram deixadas de lado e o número de demissões são aparentes”. A executiva, disse ver de forma “nítida a inclinação para pautas ambientais tanto do poder público quanto do poder privado”.
Uma outra justificativa para cortes na área de D&I foi a falta de retorno financeiro das ações, como se o lucro esperado por esse investimento voltasse ao caixa de forma quase instantânea (isso em um mundo pós-Covid, com duas guerras e indecisões sobre os rumos da IA).
A Diretora Executiva do (Movimento pela Equidade Racial) Mover, Natália Paiva destaca que o resultado importa sim, mas que diversidade não pode ser vista como algo performático. “É importante cada vez mais a gente deixar claro que diversidade, equidade e inclusão não devem ser uma estratégia de marca. Não deve ser uma atitude performática de nenhuma empresa, pelo contrário, ela tem que partir de um entendimento de quão benéfico isso é para a empresa”.
“O Mover acredita que toda a iniciativa, tática, programa de diversidade, equidade e inclusão têm que ter foco em resultados, sim, e ter um impacto positivo na performance da empresa. E a gente acredita que sim, times diversos, empresas que têm uma cultura organizacional inclusiva são mais bem-sucedidas, isso no médio prazo, mas também no longo prazo. Não tem como a gente continuar com uma ideia de prosperidade e de futuro que continue restringindo os talentos que têm a possibilidade de causar impacto”, complementa.
Manter a relevância da pauta de diversidade também passa pela comunicação e treinamentos internos para que se tragam dados, mas principalmente conscientização e conhecimento. “No âmbito do nosso programa de treinamento, sublinhamos que uma visão superficial da diversidade pode precipitar crises internas, impactando os colaboradores, o mercado e os stakeholders estratégicos. Enfatizamos que a diversidade não é uma mera tendência, mas uma estratégia de negócios crucial, demandando investimento contínuo”, destaca Juliana Oliveira, sócia-fundadora da Oliver Press, que defende que “a mensuração de resultados vista a médio e longo prazo é essencial, evitando crises de imagem e, simultaneamente, atraindo investidores autênticos”.
Se é uma ameaça ou algo definitivo, vale a reflexão do aproveitamento de talentos negros para outras áreas da empresa para além da área de D&I e um olhar inclusivo mesmo quando as vagas não tenham recorte racial. O racismo é um problema estrutural longe de acabar e em um país negro como o Brasil, deixamos de avançar mantendo sempre os mesmos rostos e corpos em espaços de decisão.