Ei corporativo: você é muito mais La Liga do que imagina, e nós, profissionais negros, cada dia mais somos Vini Jr.

*Por Viviane Elias Moreira

O pack de novembro do mundo corporativo está pronto, e os power points com conteúdo sobre conscientização racial a serem apresentados aos gestores na semana de conscientização sobre a questão racial já podem ser atualizados: nas duas últimas semanas, o material produzido pela sociedade racista em que vivemos garantiu o pack novo, sem precisar recorrer aos conteúdos de 2020, ligados ao Black Lives Matter e ou George Floyd.

Temos nos CNPJs brasileiros muito mais similaridades com a La Liga que precisaríamos admitir em 2023. A primeira grande semelhança é a inércia. A imprensa vem noticiando cenas deploráveis de ataques racistas ao Vini Jr. há mais de 5 meses e a ação pífia e lenta vem ocorrendo somente agora, mediante a uma pressão que desencadeou inclusive o desenho de uma possível crise diplomática entre os países. 

Por aqui, as empresas têm a mesma ação, com a adoção de processos ligados às áreas de compliance, recursos humanos ou diversidade e inclusão, que acolhem denúncias e demoram meses para tomar uma decisão, e em 90% dos casos é solucionada como situações de ruídos de comunicação entre líderes e liderados. A esmagadora maioria destas áreas não tem pessoas negras em cargos estratégicos ou, no caso de compliance, não tem treinamentos específicos em letramento racial ou compliance antidiscriminatório. 

Outro grande ponto de convergência infeliz entre os mundos: o posicionamento em cima do muro, como estratégia de “deixa-baixar-a-poeira-daqui-a-pouco-todo-mundo-esquece”. Ausência de posicionamento de patrocinadores da La Liga tem o mesmo peso da ausência de posicionamento dos embaixadores dos grupos de diversidade racial, que na maior parte das vezes aparece em momentos específicos e estratégicos da empresa, executando o walk the talk estruturado em palavras e não em ações e não devemos esquecer da oportunidade de uma possível entrevista sobre o que o seu CNPJ fez até agora sobre o tema de inclusão racial, onde o entrevistador deve ser uma pessoa negra de pele clara representante da média gerência, porque representatividade importa. 

Claro que temos o manual prático para pessoas especiais se tornarem antirracistas: # de repúdio, frases de apoio e recomendações de pacote básico de literatura e séries sobre como ser antirracista. E como os CNPJs “ainda” não sabem como lutar contra o racismo, na hora do almoço do “condado” de cada grande cidade do país, ouvimos constantemente que é “um absurdo”, “mas ele também pediu né”, “ele tem que agradecer, porque afinal tem a oportunidade de estar lá”, “o cara ganha milhões, tem que parar de mi mi mi” e o clássico “eu até chorei quando vi”. O constantemente dura mais ou menos 2 semanas ou até acontecer algum outro caso de racismo com comoção nacional. Para os praticantes do nível avançado deste manual, vale também o post na rede social com aquele seu amigo ou amiga negra, que é a única pessoa negra em cargo estratégico da sua organização e que você sabe que é um aliado porque inclusive eles estiveram na festa de aniversário do seu filho. 

Neste caso, as pessoas especiais antirracistas já têm a justificativa definitiva para agir desta forma: ele é meu par ou da minha equipe, sei que não é certo porque tenho pessoas negras que eu amo e sofrem com isso, mas não posso correr o risco de ser envolvido. Sabe como é que é? Tenho boleto para pagar. Medo? Inércia? Abstenção? Incorrência? Não, nada disso. Eles chamam de viés inconsciente.

E enquanto isso, como ficam os Vini Jrs. do corporativo? Assim como o jogador, vamos nos segurar no que fazemos de melhor: nosso trabalho. Continuamos a mostrar a nossa competência, enquanto somos desprezados e pré-definidos por rótulos ligados ao nosso tom de pele. Continuamos nos capacitando, treinando, estudando e dando o nosso melhor para conseguir alcançar os níveis de qualidade e acessibilidade que são colocados somente para nós nas empresas.

Continuaremos ouvindo não para nossas promoções, para nossas provas de assédio moral e de racismo recreativo e estrutural, instauradas nos processos dos CNPJs. Continuaremos sendo utilizados como tokens estratégicos e muitas vezes, colocados todos em um único rótulo como se profissionais negros não tivessem o direto de ter jornadas raciais com posicionamento ou visões divergentes uma das outras. Continuaremos lutando com poucos aliados reais e uma rede de apoio para manter o mínimo de segurança psicológica possível. 

Se você leu esta coluna até este momento aguardando uma proposta de ação, desculpe te desapontar, mas para isso você tem no mínimo 3 anos de conteúdo farto dos últimos fóruns, post e livros disponíveis na rede sobre o tema. Eu mesma participei de várias. Hoje, esta coluna é para falar que estamos desapontados com vocês, caros aliados CNPJs, que continuam tratando os profissionais negros da mesma forma que a La Liga vem tratando os seus melhores jogadores negros: com a incapacidade de entender que o racismo estrutural não acaba em um evento ou em um jogo. E você gestor, não é tarde para se tornar um Ancelotti e parar de falar somente sobre futebol e se posicionar com o que realmente é relevante: o combate ao racismo. A bola está do lado de vocês e, basta saber quem está a fim de fazer um gol de verdade ou apenas continuar ganhando por W.O quando o tema são as questões raciais corporativas. 

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