Como as empresas podem (e devem!) garantir a renda digna e equilibrar a disparidade salarial?

Por Priscilla Arantes, Gerente de Comunicação – Sistema B | Co-fundadora do IPPA | Colunista do site Mundo Negro

De trabalhos análogos à escravidão aos salários milionários dos CEOs: como as empresas podem (e devem!) garantir a renda digna e equilibrar a disparidade salarial? A desigualdade social e a injustiça econômica têm sido temas centrais nas discussões políticas e sociais nas últimas décadas, apesar da visibilidade para essas questões, são as poucas resoluções. Voltar a atenção prioritária para a importância da renda digna e a gravidade da disparidade salarial é fundamental, uma vez que afetam diretamente a qualidade de vida das pessoas e perpetuam a desigualdade. Este artigo, pretende destacar a importância da renda digna, os impactos da disparidade salarial e apresentar medidas que as empresas podem adotar para combater essa desigualdade.

Foto: Getty Images.

A renda digna é um conceito fundamental para garantir que todas as pessoas possam viver com dignidade e ter acesso a uma vida decente. Isso implica em assegurar que todos tenham condições de suprir suas necessidades básicas, como alimentação adequada, moradia digna, cuidados de saúde, educação de qualidade, transporte acessível e oportunidades de lazer. Uma renda digna é essencial para romper o ciclo de pobreza e promover a inclusão social.

A disparidade salarial é um fator-chave que impede a conquista da renda digna. A diferença nos salários entre diferentes grupos de pessoas, como gênero, raça e origem social, perpetua a desigualdade e restringe o acesso a oportunidades. A discriminação salarial com base no gênero e na raça é particularmente prejudicial, pois amplia ainda mais as lacunas socioeconômicas e dificulta o avanço desses grupos na sociedade.

A disparidade salarial pode ter várias causas, que muitas vezes se entrelaçam e se reforçam mutuamente. A discriminação sistêmica e consciente é uma delas, na qual as pessoas são mal remuneradas com base em características como gênero ou raça, independentemente de suas habilidades e qualificações. A desigualdade educacional também é uma realidade, uma vez que oportunidades de educação limitadas impactam negativamente a capacidade das pessoas de acessar empregos bem remunerados. Além disso, fatores como o acesso limitado às redes profissionais e oportunidades de carreira, falta de licença parental remunerada e negociação salarial desigual também contribuem para a disparidade salarial.

E, no Brasil, quando o recorte é social, sabemos que os corpos racializados são os mais vulneráveis. Estudo da Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial, realizado no segundo trimestre de 2022, mostra que o salário médio de uma mulher negra no Brasil equivale a 46% do ganho de homens brancos. Os números são assustadores e desencadeiam uma série de impactos sociais negativos atrelados à escassez, colaborando efetivamente para que a desigualdade se perpetue.

Essa responsabilidade é coletiva. Políticas públicas são fundamentais para subsidiar mudanças efetivas em diferentes segmentos sociais. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), o salário mínimo para manter uma família de 4 pessoas teria de ser em torno de R$6.600, o piso da remuneração base no Brasil hoje é menos 20% do valor necessário, R$1302. O pior poder de compra dos últimos 20 anos.

Para a cesta básica, ainda de acordo com o DIEESE, o aumento do poder de compra do salário mínimo foi de 46%, entre 2003 e 2018. De 2019 até abril deste ano, caiu para 26%. Se tomarmos o período em que a política de valorização do salário mínimo vigorou, o crescimento do poder de compra do salário mínimo havia sido de 56%, antes da queda, no governo anterior.

E as empresas, o que estão fazendo para se aliar aos compromissos que equilibram o lucro, redução das desigualdades e desenvolvimento sustentável? Porque apesar da crise instaurada no Brasil nos últimos anos, não foi raro o crescimento econômico e individual de CEOs de grandes empresas. Apesar da pandemia e do crescimento lento da economia, em média, o salário dos executivos aumentou em torno de 30%.

Em uma triste contrapartida, também não foram raros os casos de trabalhos análogos à escravidão que vieram à tona recentemente, mas que sempre aconteceram. Somente neste ano, até março, 523 vítimas de trabalho análogo à escravidão foram resgatadas. As informações são do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A materialização extrema da disparidade salarial, que colaboram para a perpetuação da desigualdade.

As empresas têm um papel fundamental na promoção da igualdade salarial e na criação de condições para uma renda digna. Guiadas pelos conceitos de governança, responsabilidade corporativa, as organizações se comprometem a seguir princípios elevados de transparência, responsabilidade e desempenho sustentável. Isso envolve a adoção de práticas que promovem a tomada de decisões éticas, a inclusão de múltiplos stakeholders e a gestão responsável dos recursos naturais. Sob esses direcionamentos, destaquei algumas medidas de baixa complexidade que as organizações podem adotar para combater a disparidade salarial e se comprometer com o combate à desigualdade social.

Adotar políticas de transparência salarial, divulgando as faixas salariais e critérios de remuneração. Isso ajuda a identificar discrepâncias salariais injustificadas e promove uma cultura de equidade. E, como manutenção e acompanhamento, realizar revisões periódicas das estruturas salariais, ajustando e adequando para garantir a igualdade salarial para funcionários em funções similares, independentemente de gênero, raça ou outras características protegidas.

Outra medida fundamental é a implementação de políticas de contratação e promoção inclusivas, buscando ativamente a diversidade e a representatividade em todos os níveis da organização. Isso inclui a adoção de práticas de recrutamento imparciais, a criação de programas de mentoria e desenvolvimento profissional para grupos sub-representados e a promoção de oportunidades de crescimento e progresso na carreira para todos os funcionários.

Investir em programas de educação e treinamento para conscientizar seus funcionários sobre a importância da igualdade salarial e combater os vieses inconscientes que podem contribuir para a disparidade salarial. Isso pode incluir workshops, treinamentos online e outras iniciativas que promovam a compreensão e ação em prol da igualdade salarial. Além dos salários, as empresas devem revisar e ajustar seus benefícios e políticas de apoio para garantir que sejam justos e abrangentes. Isso pode incluir benefícios como licença parental remunerada, assistência à educação, programas de bem-estar, creches no local de trabalho, entre outros.

Essas políticas internas ajudam a reduzir as disparidades e fornecem suporte adicional aos funcionários que precisam. E por último, as empresas devem estabelecer mecanismos de monitoramento contínuo para garantir a igualdade salarial e o cumprimento das políticas de remuneração. Isso pode envolver a criação de comitês de diversidade e inclusão, realização de auditorias salariais regulares e a divulgação transparente de informações sobre as práticas salariais da empresa.

A renda digna e a disparidade salarial são questões complexas e interligadas que afetam a justiça econômica e social. As empresas têm um papel crucial na promoção da igualdade salarial e na criação de condições para uma renda digna. Existem ferramentas e organizações que subsidiam a intencionalidade das organizações que buscam equilíbrio econômico e social, o Sistema B Brasil, o Pacto pela Igualdade Racial e o Pacto Global, são algumas delas que tem o propósito de construir de um sistema econômico mais inclusivo, equitativo e regenerativo.

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