A História Invisível dos Povos Pretos na Floresta

Quando se fala na Amazônia, as imagens que vêm à mente quase sempre se limitam a florestas exuberantes e à presença de povos indígenas. Sim, essa é uma realidade da região, visto que a maior parte da população indígena (51,25%, segundo o Censo de 2022) vivem na Amazônia Legal, que abrange os estados do Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão. Mas não podemos ignorar que, também neste bioma, está grande parte da população quilombola. Aliás, se somarmos as pessoas pretas, pardas e quilombolas, a população negra da região é de 79,3%. 

Diante desses dados, devemos nos perguntar por que a luta de resistência da população quilombola e negra ainda é invisibilizada? Por que não somos entendidos também como povos da floresta? Qual a relação dessa invisibilização com o racismo? São questionamentos que precisamos fazer para compreender por que os quilombolas da Amazônia não estão nos espaços de decisão sobre os conflitos na região. 

Dito isso, a Amazônia é um mosaico de culturas e histórias entrelaçadas, abrigando diversas comunidades tradicionais que, muitas vezes, permanecem invisíveis. Entre elas, destacam-se as populações quilombolas e negras que lutam há séculos para sobreviver e preservar suas identidades.

A invisibilidade do povo preto na Amazônia é um reflexo do apagamento sistemático que essas comunidades enfrentam, não apenas no discurso popular, mas também nas políticas públicas e na historiografia oficial. A história dos quilombolas na Amazônia é rica e profundamente entrelaçada com o processo de formação da região. No entanto, o foco da narrativa continua exclusivamente nos povos indígenas, apagando a contribuição de outros grupos, como ribeirinhos, pescadores artesanais, seringueiros e os quilombolas, que construíram suas vidas e tradições em meio à floresta.

Fluxos migratórios marcaram a história da Amazônia, atraindo populações fugas da escravidão e resistência. Quilombos surgiram em várias regiões da floresta, formados por negros que escaparam das fazendas de escravização e encontraram refúgio na mata. Esses grupos não apenas sobreviveram, mas floresceram, criando novas formas de organização social, cultural e econômica, adaptando-se às condições ambientais da região e às heranças culturais trazidas da África. 

O fato é que o apagamento dos quilombolas na Amazônia não é acidental. Ele faz parte de uma política de negação das múltiplas identidades que compõem a floresta. Por mais que os povos indígenas sofram da visão estereotipada da sociedade, eles ainda têm uma visibilidade maior em discussões se comparados aos quilombolas. Isso não apenas invisibiliza as histórias da Amazônia Negra, como também dificulta o acesso a direitos e recursos fundamentais para a sua sobrevivência.

A falta de dados e estudos específicos sobre essas populações dificulta o desenvolvimento de políticas públicas eficazes. Afinal, essas comunidades também enfrentam as mesmas ameaças que outras populações tradicionais da região: a grilagem de terras, o desmatamento desenfreado, a pressão do agronegócio e a falta de proteção governamental.

A defesa da Amazônia não pode ser limitada ao meio ambiente ou a um único grupo social. Em cada comunidade negra, ribeirinha, quilombola, urbana e rural, resiste uma memória viva da luta contra a escravidão e da afirmação de uma identidade própria, com práticas tradicionais de agricultura, pesca e manejo sustentável da floresta – verdadeiros patrimônios culturais e ambientais da floresta. Assim como os povos indígenas, outros povos tradicionais têm direito ao seu território, à sua cultura e à sua história. Reconhecer a existência dessas comunidades é essencial para construir um futuro regenerativo e mais inclusivo e sustentável para a região.

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(*) Juliane Sousa é jornalista quilombola e gerente de Comunicação e Marketing do Sistema B Brasil 

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