Marco Pellegrini e seus irmãos Andréa, Alessandro e José Renato foram criados de forma simples na Vila Clementino. Seus pais se conheceram na Associação Cultural do Negro. José Pellegrini, trabalhava no comércio de algodão no atacado, e sua mãe Teda Pellegrini é psicóloga, tendo iniciado na Filosofia e depois conquistou cadeira na primeira turma de psicologia da USP.
Abdias Nascimento, Correia Leite, Florestan Fernandes, Oswaldo de Camargo, os advogados Gerson e Haydée Amarante, Américo Orlando eram pessoas do seu convívio, ao lado de quem fundaram o Aristocrata Clube – berço cultural, pensante e militante do movimento negro em São Paulo. Ali foram gestados os referenciais que fizeram a diferença nos desafios que Marco enfrentaria a seguir como cidadão negro e pessoa com deficiência.
Superando dificuldades, a família chegou a morar com parentes, à beira do córrego, mas Marco teve sempre o incentivo para estudar, frequentar bibliotecas e circuitos culturais. A pequena rua de casa se dividia entre dois mundos distintos: a primeira quadra, habitada por negros e nordestinos, com cortiços, serraria e casas humildes. Já n segunda quadra, casas bem estruturadas, profissionais de governo, bancos e profissionais liberais. A família do Marco, únicos negros da segunda quadra, fazia ponte entre os dois mundos.
Nos bancos da escola no Senai, onde ingressou para estudar eletrônica, enfrentou o racismo de um universo majoritariamente branco. Desde os livros, que diziam que os negros eram escravos, até a falta de conhecimento da história dos seus ancestrais. Com valores de luta, trazidos de casa e do Aristocrata Clube, Marco enfrentava a discriminação. Num tempo de ditadura militar, sua casa era reduto de exilados negros. As histórias de luta inspiravam o imaginário e alimentavam as forças do garoto Marco que já se auto intitulava um “Makonde” – grupo étnico de Moçambique, conhecido historicamente por sua resistência, diante das tentativas de dominação.
Talentoso com os eletrônicos, Marco iniciou na Nec do Brasil, passando pela Dixtal equipamentos hospitalares e Phillips Telecom. Aprendeu sobre gestão profissional e inovação em um tempo que pouco se ouvia falar de governança, ele viveu na pele a valorização de todos esses conceitos. Ascendeu a novos cargos, outras empresas, mas confundido com o porteiro ou o segurança, precisava sempre se impor profissionalmente.
“Era minha base de treinamento – atuar em diversas frentes, mostrar autonomia e responsabilidade, apesar do preconceito.”
Mostrando resultado nos projetos, assume a função de engenheiro, no Metro de São Paulo, onde está até hoje.Formou-se também em Matemática e impulsionado pelo sucesso profissional, casou e formou família. Tinha o filho Pedro de 1 ano e a esposa grávida do Victor quando comprou apartamento novo e uma moto Teneré 600, bastante cobiçada na época.
Certo dia, na volta do trabalho como é usual a tantos brasileiros, sofreu um assalto e levou um tiro que atingiu sua vértebra C3, tornando-o tetraplégico. Sua vida então tem uma reviravolta, mudando para sempre a forma como Marco encarava o mundo.
Ainda que em choque, ele não se rendeu: diante de um novo cenário, foi estudar o que era a tetraplegia, seus limites e possibilidades. Teve que encampar lutas com médicos e peritos, para que não fosse aposentado da atividade profissional tão significativa em sua vida.
“O Brasil não fabricava cadeiras motorizadas. Eu vivia sendo empurrado, sentado numa péssima cadeira. E não me conformava com isso! Fui adaptando atividades à minha nova condição. Nesse esforço, descobri uma feira na Alemanha com inovações em mobilidade. Vendi um carro e com esse o dinheiro embarquei com a minha mãe, irmão e um amigo, também tetraplégico, para abrir novas perspectivas.”
Foi sem falar inglês, nem alemão, com orçamento curto e a carteirinha do Albergue da Juventude que se deu a aventura. Na Alemanha, teve acesso ao que tinha de melhor em conceito, adaptações, políticas públicas entre outras questões que visavam trazer dignidade às pessoas com as mesmas condições que Marco.
Na feira, um universo de soluções imagináveis! Foi lá que Marco comprou sua primeira cadeira motorizada com joystick no queixo, e ainda que simples, permitia que elese movesse sem a ajuda de ninguém. Experimentou na feira, e entendeu que aquele era o caminho. Comprou a cadeira no mesmo dia, graças a insistência com o expositor porque a cadeira ainda não estava a venda.
Já no Brasil, se apresentou à Previdência Social. O médico perito do trabalho, que antes queria aposentá-lo, viu entrar em seu consultório um homem empoderado! Conduzindo a própria cadeira, já equipada com prancheta que ele mesmo adaptou, entendeu que algo precisava ser feito – entrou em contato com o RH da empresa, abrindo caminho para o retorno do Marco ao trabalho.
“A deficiência não é sua, a deficiência é do meio que não está pronto pra você”.
A seguir uma equipe multidisciplinar, com bons profissionais e conceitos inovadores assumiu o processo.Readaptado, sua volta ao trabalho viabilizou rotinas anteriores de novas formas e abriu portas a novas atividades. Surgiram mudanças tão significativas que refletiram em novas políticas organizacionais, desde sua posição na empresa.
Com tudo isso, Marco fundou o Centro de Vida Independente – CVI, tornou-se Secretário Adjunto da Secretaria Estadual dos Diretos da Pessoa com DeficiênciaPaulista e depois o Secretário Nacional dos Direitos daPessoa com Deficiência.
Atuou como Chefe da Delegação Brasileira em 2017 na ONU e foi o Delegado brasileiro na ONU por 12 anos em NYC e Genebra. Seus discursos marcaram valiosas posições ideológicas e programáticas na questão das pessoas com deficiência. Grande conquista nesse sentido foi a implementação da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, em paralelo à liderança de 8 decretos presidenciais e 2 estaduais além da implementação de diversos programas e estruturas nesta área.
Na vanguarda do movimento das pessoas com deficiência,em reconhecimento à sua trajetória recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2018. Entre os reconhecimentos por seu trabalho e militância, foi homenageado na 20ª Edição da “Medalhas Força da Raça 100 anos da Revolta da Chibata”, concedido pela Instituição Força da Raça Campinas (nov/2010), e também na Sessão Solene da Câmara Municipal de São Paulo pelo Dia da Consciência Negra, “pela liderança exercida na comunidade e o trabalho contra a discriminação étnica”(Nov/2012). Recebeu também o Prêmio Luiz Gama, nas comemorações de 30 anos do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo.
Ao longo de sua jornada combativa contra o preconceito e por cidadania, Marco teve a oportunidade de criar oportunidades, padrões e equipamentos.
“Hoje o posicionamento social da pessoa com deficiência no Brasil é uma invenção moderna fruto do movimento civil. Por algum motivo a espiritualidade me colocou ativamente nesse processo, sou grato por isso” diz Marco Pellegrini, Palestrante e Consultor de Acessibilidade, Inclusão e Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência.