Durante a Brazil Conference na Universidade de Harvard, duas palestrantes brasileiras denunciaram episódios de racismo. Em um painel mediado pela atriz e apresentadora Regina Casé, as embaixadoras do evento, Naira Santa Rita e Marta Melo, leram uma carta manifesto.
As palestrantes revelaram que três brasileiras brancas fizeram comentários racistas em inglês sobre suas tranças e dreads, incluindo risos enquanto sugeriam que elas poderiam ter piolhos. “Olha essas negras? Será que tem piolho nessas tranças e dreads?”, teriam dito as mulheres brancas.
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“O que elas não esperavam é que eu falo inglês”, declarou Naira. “Imediatamente eu as olhei de forma que elas entenderam que eu havia entendido o racismo que estava acontecendo ali. As mesmas se retiraram depois do meu olhar. Em outras situações, eu as teria confrontado, porque o constrangimento, principalmente em situações de racismo, é pedagógico, mas diante de tamanha violência, eu precisei calcular. Pois eu e Marta, mulheres negras, temos muito mais a perder do que 3 meninas brancas de Harvard. Se nós as tivéssemos confrontado, nós teríamos sido vistas como mulheres negras raivosas, escandalosas e até mesmo vitimistas”.
Após o incidente, a Brazil Conference divulgou um comunicado oficial repudiando ‘qualquer forma de discrimnação racial’. “A Brazil Conference reconhece e reitera seu compromisso contra o racismo em todas as suas formas. Repudiamos veementemente qualquer ato de discriminação racial e não compactuamos com tais comportamentos em nossos eventos”, declarou o evento.
O evento também prometeu realizar medidas para melhorar a próxima edição da conferência. “Como princípio norteador está o comprometimento de que tais episódios não se repetirão”, informou a organização.
Abaixo, é possível ler na íntegra a carta de repúdio escrita por Naira Santa Rita e Marta Melo.
CARTA DE REPÚDIO
Por Naira Santa Rita e Marta Melo
Foram muitas situações de violência que vivenciamos enquanto embaixadores da Brasil Conference, mas vou enfatizar uma específica. Ontem, em Harvard, durante um painel eu e nossa outra embaixadora, Marta, aqui presente, enquanto juntas estávamos assistindo, três brasileiras brancas, questionavam-se em inglês, entre si: “see these black women? Are there lice in those braids and dreads?”
Que em tradução livre significa: “vê essas negras? Será que tem piolhos nessas tranças e dreads?” Seguido de risos.
O que elas não esperavam é que eu falo inglês. Imediatamente eu as olhei de forma que elas entenderem que eu havia entendido o racismo que estava acontecendo ali, as mesmas se retiraram, depois do meu olhar.
Em outras situações, eu as teria confrontado, porque o constrangimento, principalmente em situações de racismo, é pedagógico, mas diante de tamanha violência em um espaço como a Brasil Conference, que se considera inclusivo, diverso, eu precisei calcular.
Pois eu e Marta, mulheres negras, temos muito mais a perder do que três meninas brancas de Harvard. Se nós as tivéssemos confrontado, nós teríamos sido vistas como mulheres negras raivosas, escandalosas, e até mesmo, vitimistas.
O racismo é meticuloso, e vem se sofisticando cada vez mais, de tal modo que elas se sentiram confortáveis em proferir intencionalmente tais comentários racistas em inglês, acreditando e subestimando que não entenderíamos.
Agora, questionamos: Quantas pessoas negras aqui estavam e passaram pelo mesmo?
O quão a comunidade brasileira aqui presente, e os demais, realmente age para combater o racismo e efetivamente praticar o antirracismo?
O que dialogamos nesse espaço durante esses dias, e nos últimos nove anos, é vazio?
Quantos negros vocês viram aqui enquanto organizadores da Brasil Conference?
Quais são os líderes do futuro que esses espaços como Harvard e MIT estão formando?
Quem são os brasileiros negros, as mulheres negras, indígenas e plurais que estão nesses espaços para além das iniciativas de impacto social?
Quando os VPs da Brazil Conference falam sobre a representação dos brasis, quais brasis estão aqui? E eu questiono, nós questionamos, enquanto embaixadores da décima edição da Brasil Conference e seus financiadores, sponsors: o Brasil que está aqui é o fruto do privilégio do histórico escravocrata?
O Brasil que está aqui reflete os herdeiros do Brasil? Os indicados do Brasil? O Brasil que tem legado de tráfico, exclusão, violência e exploração dos corpos negros, indígenas e plurais estão aqui?
Enquanto estivermos com discursos cheios de práticas vazias, não só o Brasil, nosso amado país, mas também a Brasil Conference e suas estruturas vão continuar refletindo e perpetuando a manutenção das estruturas racistas, excludentes, que não representam o Brasil que queremos de forma alguma.
O Brasil que queremos no presente, e não no futuro, é legitimado e celebrado em sua diversidade, promotor da equidade, inclusão, e dignidade para todos, e não para poucos.
O Brasil que queremos é o Brasil que a educação como oferecida por Harvard e MIT, assim como a cultura, sejam tidas como acessíveis e ordinárias, como bem fala nosso Gilberto Gil, e não como títulos que diferenciam quem é mais capaz que quem, ou que acentuam ainda mais as desigualdades e abismos sociais.
Quero agradecer a Brenda Maria e ao professor Maurício Antônio, ao Eduardo e Rick, pela acolhida e intencionalidade em promover efetiva tratativa ao que ocorreu e no comprometimento em não permitir que seja negociável que situações como as que os embaixadores vivenciaram esse ano, ocorram novamente em próximas edições da Brasil Conference em Harvard e no MIT.
Essa fala é com o intuito que a Brasil Conference, seus financiadores e sponsors, como o YouTube, Nomad, Fundação Lemann e outros, consigam a partir dessa histórica décima edição, se fortalecer na construção genuína e legado no que realmente queremos como Brasil hoje e não existe Brasil sem diversidade.
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