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Texto: Ricardo Corrêa
“Nós não falamos de emancipação das mulheres como um ato de caridade ou por causa de uma onda de compaixão humana. É uma necessidade básica para o triunfo da revolução”
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Thomas Sankara
Julho das Pretas é o período em que ocorrem homenagens, discussões e manifestações abordando o papel das mulheres negras no processo de emancipação e afirmação política contra todas as formas de opressão que recaem com aguda intensidade em suas vidas; além do fortalecimento das organizações e movimentos com agendas que visem a superação das questões de raça e gênero. Neste mês também é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, e o Dia Nacional da Tereza de Benguela e da Mulher Negra (lei n° 12.987/2014), ambos no dia 25.
A contribuição das mulheres pretas durante a história é imensa, mas a influência do patriarcado na dinâmica da sociedade – digo, a manutenção do homem branco e rico como centro das relações de poder -, negligenciou o papel dessas mulheres. Elas foram fundamentais na política, educação, tecnologia, economia, cultura, etc., e protagonizaram movimentos insurgentes que ocorreram no Brasil e no mundo. Entretanto, mesmo que eu esteja me referindo no tempo passado, a importância das mulheres negras persiste.
No entanto, precisamos reconhecer que desde a formação da sociedade é exigido às mulheres negras, de maneira não verbalizada, resistência, atenção redobrada e enfrentamento em tempo integral. Tudo isso por conta de um arranjo complexo na cultura brasileira, desumanizante e violenta, que inclui altas taxas de feminicídio, estupro e violência doméstica atingindo em massa esse grupo.
Nesse sentido, os discursos confrontando as violências importam no aspecto educativo e aglutinador de forças contrárias ao status quo; porém, de nada adiantará se não estiverem articulados com ações políticas concretas. Os homens negros precisam contribuir na luta. Não basta solidariedade simbólica. Afinal, os nossos ancestrais – homens e mulheres africanos – foram sequestrados e trazidos no mesmo navio negreiro. Lembremos sempre das palavras de Thomas Sankara na epígrafe deste texto. Dito isso, cito brevemente a biografia de cinco mulheres pretas que não podem ser esquecidas, mas consciente de que se tivesse que escrever todos os nomes necessários não haveria espaço suficiente.
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Carolina Maria de Jesus (1914 – 1977) nasceu na cidade de Sacramento, no estado de Minas Gerais. Escreveu a obra “Quarto de despejo: Diário de uma favelada”, onde retratou de maneira crítica e sensível, e com uma linguagem simples, o seu processo de sobrevivência na favela situada na cidade de São Paulo. O livro atravessou fronteiras, e tornou-se reconhecido internacionalmente. Intelectuais e críticos o consideram uma das mais importantes obras da literatura brasileira.
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Lélia Gonzalez (1935 – 1994), mineira, nasceu na cidade de Belo Horizonte. Antropóloga, professora universitária, importante nome do movimento negro brasileiro. A dimensão de Lélia é tamanha, tanto que Angela Davis, intelectual revolucionária e ex-militante do Partido dos Panteras Negras, quando esteve no Brasil (2019) fez o seguinte comentário “Porque precisam procurar nos EUA uma referência, se aqui vocês têm muitas formuladoras como Lelia Gonzalez. Eu venho aqui e sinto que mais aprendo do que ensino.” Lélia Gonzalez contribuiu enormemente para cimentar as bases da reflexão crítica para a luta das organizações, ativistas e militantes contra a opressão de gênero, classe e raça. Foi candidata a deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e candidata a deputada estadual pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).
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Neusa Santos Souza (1951 – 2008) nasceu em Cachoeira, Bahia. Psiquiatra e psicanalista. Em 1983, publicou a obra “Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social”, que foi a sua dissertação de mestrado. O material é fundamental para a compreensão do racismo e os impactos nocivos na saúde mental da população negra. Neusa também participou do Movimento Negro Unificado (MNU-RJ).
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Tereza de Benguela, liderança quilombola, nasceu no continente africano, e chegou ao Brasil por volta de 1730. Liderou bravamente o Quilombo do Quariterê, conhecido como Quilombo do Piolho, situado no Mato Grosso. No Anal de Vila Bela do ano de 1770 é mencionado que Rainha Tereza “Governava esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entrava os deputados, sendo o de maior autoridade, tipo por conselheiro, José Piolho, escravo da herança do defunto Antônio Pacheco de Morais, Isso faziam, tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquele negral Senado se assentava, e se executava à risca, sem apelação nem agravo.” Sob seu comando o quilombo resistiu em torno de duas décadas.
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Yvonne Lara da Costa (1922 – 2018), a eterna Dona Ivone Lara, nasceu no Rio de Janeiro, RJ. Intérprete, compositora, formada em enfermagem e serviço social, a grande “Dama do Samba” é referência musical e umas das expoentes da cultura negra no Brasil. Com pé no chão e muita serenidade, sabedora dos obstáculos sociais oriundos do machismo e racismo, dedicou-se a área da saúde até a conquista da aposentadoria. Do seu ponto de vista, era necessário primeiramente garantir uma segurança econômica. E somente aos 64 anos, entrou de cabeça na carreira artística e eternizou canções como “Tendência”, “Sorriso Negro”, “Acreditar”, entre outras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo. Diário de uma favelada. São Paulo: Francisco Alves, s.d. (1ª Ed. 1960)
Enciclopédia brasileira da diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004. 4.ed. São Paulo: Selo Negro, 2011.
RATTS, Alex; RIOS, Flávia. Lélia Gonzalez. São Paulo: Selo Negro, 2010.
SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro ou As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Zahar.
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