Mundo Negro

As mulheres do coletivo Quilombo PcD que trabalham pela inclusão com aulas de libras e serviços de maquiagem

Maili Santos é fundadora do autointitulado Studio Móvel (Foto: Edilton Lopes)

Na última reportagem especial de Julho das Pretas, o MUNDO NEGRO entrevistou duas mulheres negras, integrantes do coletivo Quilombo PcD (Pretas, Pretos e Pretes com Deficiência), para falar sobre a vida pessoal, trabalhos e os desafios de ser uma pessoa negra e PcD no Brasil.

Phillipa Mbundu Silveira, 19, mora na zona Oeste do Rio de Janeiro e é instrutora de língua de sinais e empreendedora do Ph Libras desde 2020. Diagnosticada com autismo aos 7 anos, ela decidiu que trabalharia pela inclusão e acessibilidade e hoje faz graduação em letras-libras.

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“Meu negócio tem como lema: “Transformando o mundo para a inclusão”. Ainda está no seu estágio de desenvolvimento. A libras entrou na minha vida quando eu tinha 13 anos e a partir dos 15, eu comecei a trabalhar fazendo cursos, oficinas, participações em igrejas a fim de trazer à minha região o conhecimento da libras e a importância da acessibilidade”.

Foi na igreja evangélica que Phillipa começou a se desenvolver para o mercado de trabalho. “Comecei a produzir peças teatrais na igreja. Eu escrevia os roteiros, ensaiava, e fazia cantina pra arrecadar dinheiro pro departamento de teatro, foi aí que comecei a entender um pouco sobre negócios e vendas”.

“Nesse ano, meu pastor pediu pra eu aprender libras para que eu pudesse incluir os surdos na nossa igreja. Eu procurei o curso, até que encontrei a Igreja Batista Independente Missão Socorro, onde na época tinha um encontro com surdos todas as terças e foi lá que eu comecei a aprender libras na prática, através da conversação. Durante os anos de 2016 e 2019, eu levei libras em algumas igrejas evangélicas da minha região. E segui com meu trabalho para outros rumos”, explica.

Foto: Arquivo pessoal

Para a instrutora de libras, a mãe trabalhar como enfermeira e servidora pública permitiu mais estrutura ao desconfiarem que ela poderia ser uma criança autista. “As suspeitas começaram desde os meus primeiros dias de vida. Aos 5, tive crises e surtos na escola, e esse foi um dos momentos mais difíceis da minha família. Minha mãe trabalhava em 3 hospitais e precisava correr de um lado para outro em busca de médicos. O diagnóstico não foi fácil de conseguir. Na igreja enfrentava também o capacitismo, e a escola era o centro de todo caos”, diz.

“Sabe o que é viver a exclusão na pele? Fui expulsa de um colégio no primeiro ano por não saberem ‘lidar’ e no outro, por não me adaptar à minha classe. Ficava na turma do maternal sem fazer as minhas atividades. Depois disso, eu fui a um colégio que tinha propostas inclusivas e isso mudou totalmente minha trajetória. Era um colégio de bairro pequeno, mas com uma diretora que tinha a inclusão como um valor”, lembra Phillipa.

Ao longos dos anos, a empreendedora conta que foi aprendendo a lidar com os surtos. “Hoje não tenho mais crises, mas sou dependente dos meus medicamentos e da psicoterapia. Por causa do “masking” (mascaramento), muitos não sabem que eu sou autista, mas só eu sei as dificuldades que eu enfrento”.

Foto: Arquivo pessoal

Mas por causa do racismo, ela ainda ainda precisou lutar muito para manter o equilíbrio emocional, especialmente com o assassinato do menino João Pedro no RJ a deixou muito abalada. “No período de maio de 2020, com diversos acontecimentos tristes para comunidade negra, eu tive uma espécie de surto. Os constantes estímulos de notícias negativas me afetaram tão fortemente, que quando eu estava tentando dormir, todas aquelas notícias passavam na minha cabeça como se fosse uma TV ligada que eu não conseguia desligar. Ser negra e PcD não é fácil”.

Quando se trata de evolução coletiva, Phillipa aponta que ainda há muito o que melhorar, especialmente morando nas favelas do Rio de Janeiro. “Como podemos fazer com que os espaços tenham menos estímulos no caos da cidade grande e da periferia? Não é algo que deve partir de uma pessoa, mas deve haver uma mobilização coletiva. O mercado de trabalho também tem muito a melhorar, quando se trata na inclusão de pessoas autistas”.

Phillipa agora está terminando de escrever o livro “Querer mais, querer novamente“: “É uma coletânea de relatos sobre meu processo de aprendizado de libras e sobre o meu trabalho e luta pela inclusão e pela acessibilidade”.

Foto: Edilton Lopes

Colorindo a vida com maquiagem

Maili Santos, 37, mora em Salvador, Bahia. Além de conselheira do Quilombo PcD, ela é fundadora do Studio Móvel Maili Santos, que proporciona serviço de beleza e conforto aos clientes. “Entendendo as particularidades de cada atendimento, levei como cultura na Studio Móvel, nos adaptar de forma mais diversa possível para cada vez mais termos uma experiência humanizada dos serviços. Atualmente estamos tentando implantar a língua de sinais para uma comunicação mais direta e natural com os clientes”. 

A maquiadora parou de andar com 1 ano e 9 meses após pegar uma bactéria na medula, descoberta tardiamente, pelas tentativas de aborto da genitora. “O diagnóstico foi muito tardio que só chegou 12 anos depois”, relata.

Dona Antônia tinha seis filhos quando adotou Maili ainda pequena. “Se eu estou viva é por causa dela. É uma mulher preta que lutou e sofreu muito para cuidar de nós. Lavava roupa pra ganhar o sustento e mesmo assim conseguiu me dar o melhor tratamento”.

Foi com o incentivo da mãe e o marido Edilton Lopes que se tornou uma maquiadora profissional. “A maquiagem entrou na minha vida por causa do meu tratamento contra a depressão. Devolveu cor pra minha vida, me deu propósito e eu faço de tudo para que possa colorir a vida de outras pessoas assim como a minha”, relata.

Foto: Edilton Lopes

Crescendo profissionalmente, Maili já planeja outro projeto e quer se destacar cada vez mais: “Eu quero dar orgulho para as minhas professoras que viram um objetivo em mim quando muitas escolas daqui da cidade não me deram oportunidades”.

A maquiadora também já estampou campanhas publicitárias e relata como é ser uma mulher negra e PcD na publicidade. “Não deveria ser, mas é desafiador. Principalmente no sentido de desconstrução de uma visão comum da sociedade sobre superação e força. Muitas vezes o viés de algumas campanhas nem são nesse sentido, mas é naturalmente associado. Por isso busco dialogar muito com as empresas para que a comunicação da campanha seja o mais direta possível”.

Apesar de não considerar Salvador uma cidade inclusiva, Maili é otimista com a evolução do acolhimento com as pessoas PcD’s. “Percebo uma crescente quando se refere ao diálogo entre pessoas com deficiência e as esferas da sociedade. Porém ainda é distante esse entendimento real em termos de educação para com as pessoas com deficiência. É necessário e importante que nós enquanto parte dessa sociedade estejamos de forma individual ou em coletivos nos apropriando da narrativa de pertencimento dos espaços”.

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