Criada por duas mulheres negras e periféricas, a Aqualtune Produções surge com o objetivo de conquistar cada vez mais espaço e profissionalizar artistas independentes e de periferia. Lenne Ferreira e Tássia Seabra se uniram inicialmente para priorizar as mulheres, mas entenderam que militância não é excludente e abrangeram o corre aos “manos”. Hoje trabalham com grandes artistas, como Diomedes Chinaski, Bivolt, 8.0.8 Crew, MC Negrita e Bione, atual Campeã do Slam das Minas de Pernambuco.
“Historicamente, vivemos uma sociedade excludente. Ângela Davis já pontuou sobre como os homens negros continuam à margem do poder. Eles são a maioria nas prisões. Acreditamos que a nossa luta não pode excluí-los também. Rejeitar é mais fácil do que trazer pra junto e desconstruir. Mas o protagonismo sempre será das mulheres negras”, explica Lenne.
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A falta de conhecimento em relação a questões profissionais ainda é algo comum e vivido por artistas periféricos. Muitos deles não têm noção do que é um release, midiakit ou o que pode fazer um assessor de imprensa ou produtor. Como exemplo, citado por Lenne, muitos ficam fora dos editais e de grandes eventos da prefeitura.
“Existe um monopólio na produção cultural no estado e isso dificulta a escolha desses artistas periféricos. E sem o mínimo de conhecimento profissional é quase impossível que sejam selecionados. Nosso principal objetivo é fazer com que esses artistas possam compreender a importância da autogestão de carreira”.
Para Tássia, é importante desenvolver esse trabalho porque, através dele, elas são capazes de acreditar em algo ao ver que é um trabalho coletivo, feito sem recursos, mas com muito amor, empenho e dedicação. Ela vê como um dom, já que consegue enxergar além do esperado.
“Sou empreendedora desde os 16 anos, já fiz de tudo, mas assim, sempre coletivo. Acho que a Aqualtune se fosse em São Paulo, como está sendo, não seria a mesma coisa. O objetivo dela é fortalecer não só Pernambuco, mas o Nordeste. Acho que o trabalho que faço é de articulação. Me sinto uma articuladora ao conectar essas redes, essas pessoas e trazer essas pessoas, mostrar a elas que existem outros espaços, que existem outras regiões, que existem outras pessoas lutando para sobreviver de música, da arte, da cultura. Então, vejo que meu trabalho tem grande importância porque eu quero direcionar esse olhar para o Nordeste”.
A produtora leva esse nome em homenagem a avó de Zumbi dos Palmares, Aqualtune, grande guerreira que lutou pela liberdade do povo preto no Nordeste. O nome é uma forma de homenagear uma mulher negra que é símbolo de resistência.
Conhecida por produzir festas com viés militante, o primeiro trabalho produzido pela Aqualtune foi o Baile Black, que levantou recursos para a produção de um filme periférico. Além disso, são responsáveis pelo Baile do “Proibinão”, realizado durante o aniversário da Rede Nacional de Mulheres Feministas e Antiproibicionista (Renfa), Feira da Ancestralidade e a polêmica festa “Gera Buceta”, que leva esse nome por ser um bordão muito utilizado nos espaços de luta, em Recife.
“Vivemos em uma sociedade falocêntrica. Queremos empoderar a palavra “buceta”, onde tudo é do caralho. A primeira edição ocorreu no dia 8 de março. A festa teve repercussão nacional devido as ameaças machistas. Os caras vivem falando das nossas bucetas nas suas músicas, da nossa bunda, mas nós não podemos falar? Eles cultuam nossa buceta, acham que pertence a eles, que o termo só pode sair da boca deles”, diz Lenne.
Sem querer depender do eixo Rio-SP para desenvolver os artistas que trabalham, elas acreditam que as periferias estão cheias de diamantes brutos que precisam ser lapidados e entendem que, além da distância, existe também o preconceito em relação aos artistas nordestinos, ocasionando que eles deixem seus sonhos de lado.
“Muitos destes artistas acreditam que para fazer sucesso é preciso estar no eixo, o que de certa forma é verdade. As marcas estão concentradas lá, até mesmo para Diomedes, que tem certa visibilidade, não foi e não é fácil, foi preciso abrir mão de muitas coisas e mergulhar no desconhecido. Ficou melhor depois da mixtape Comunista Rico, estar em São Paulo foi necessário, tivemos a visão e acreditamos no potencial do artista, arriscamos tudo, literalmente”.
Tássia, que já chegou a ser questionada sobre sua posição como produtora, conta que o que precisa mesmo é ter “cara de pau”. “O não eu já tenho, nasci com ele. Para quem não tem um contato e nem cara de pau, aconselho que se prepare antes de arriscar, a concorrência é grande. Todo dia descubro um grupo de rap diferente, o preconceito e a xenofobia existe e é cruel, ainda está muito presente. Cada dia que passa entendemos mais a importância de “Sulicídio”. Precisávamos de um sulicídio na produção. É a produção que faz girar, que “ditam as regras”. E tudo muito amarradinho, fechadinho em uma panela de pressão, prestes a explodir porque não tem mais para onde irem. Todas as semanas os mesmos eventos, nos mesmos locais e para as mesmas pessoas. As marcas centralizam igual a nossa atual política de esquerda”.
Com o tempo, Tássia e Lenne perceberam a importância do trabalho que desenvolviam. Além de dar motivos para os artistas acreditarem em si mesmos, elas se tornam símbolos de resistência a partir do momento em que ocupam um espaço que é majoritariamente masculino e que não aceita mulheres, principalmente mulheres negras.
“Os contratantes e produtores resistem em negociar com uma mulher. Várias vezes aconteceu de descordarmos de algum ponto na negociação e eles falarem diretamente com Diomedes, pois, na cabeça deles, a palavra dele vale mais do que a nossa. É muita treta! Já deixamos de fechar um investimento bom devido a isso. Mas João (Diomedes) sempre respeitou, ele entende essa posição e sabe o quanto é difícil sermos respeitadas. Ele sempre corta os caras e manda resolver conosco. Quando perdemos esse investimento, achei que ele ficaria chateado, pelo contrário, disse: Fodam-se eles”.
O trabalho com Diomedes surgiu de forma natural, sem intenção por parte delas, já que sempre optaram por priorizar mulheres e não queriam que o primeiro “produto” a nível nacional fosse um homem, mas o artista estava dentro dos requisitos da Aqualtune.
“Mesmo com um público consolidado, ele não tinha o suporte profissional que o seu talento precisava. Nossa parceria está abrindo portas para outros nomes da produtora. Começamos com a assessoria e produção executiva da mixtape. Colocamos na rua apenas com parcerias que fizemos através das nossas redes de produção. A produção independente é praticamente isso: planta aqui para colher lá, bem lá”, pontua Lenne.
O que fortalece a produtora é o fato de conseguirem adentrar os mais diversos espaços. Atualmente, assumiram a produção artística de Bione, que foi para São Paulo, onde irá disputar o SLAM BR. “São pequenas coisas que estamos comemorando. Eu boto a maior fé que ela está com toda a inspiração de tudo o que viveu recentemente e vai colocar isso nas linhas. Ela só tem 15 anos, estou bastante emocionada. Aqualtune é isso, se emocionar com os outros, arrombar a porta”, finaliza Tássia.
Já Lenne, conta que sabe a importância de ocupar esse espaço. “Quando desço do palco e sempre vem uma mina falar que achou foda ver uma mulher “comandando” um palco cheio de marmanjo, única mulher, isso vale todo o corre. Quero mais mulheres em cima do palco, por trás dele, fechando festivais, aprovando projetos, mulheres negras principalmente”.
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