Debora Simões
Nos dias 4 e 8 de dezembro nas ruas de Salvador comemoram-se, nesta ordem, Santa Bárbara e Conceição da Praia (a padroeira da Bahia, pelos menos oficialmente). Nesse período a rua fica repleta de filhas de Iansã (vestidas de vermelho e/ou branco) e de Oxum (vestidas de amarelo), que fazem suas homenagens às divindades. Nesses dias tem espaço para celebrar as figuras sagradas do catolicismo e das religiões de matrizes afro-brasileiras.
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Na cidade mais negra fora da África as divindades africanas imperam. O que pode se confirmar pela elevada quantidade de terreiros de candomblé se comparada às demais cidades brasileiras. Mas também pela expressividade das práticas religiosas que extrapolam os terreiros. Nos costumes citadinos há forte presença dos orixás e inquices, assim como nas conversas informais, nas músicas (nas artes, de maneira geral), nos corpos, nos ensinamentos e na culinária. Nesse território negro, toda sexta-feira toda roupa é branca, toda pele é preta, para citar a música e lembrar que no dia de Oxalá se usa a sua cor.
Alerto ao leitor que este texto apresenta um tom e teor quase autobiográfico. Mas posso justificar, preciso contar como foi meu encontro com as santas.
Conheci Iansã por intermédio de Santa Bárbara. Não por uma aproximação com o catolicismo, mas por suposto interesse de pesquisa. Na época, morava no Rio de Janeiro e estudava o Ofício das Baianas de Acarajé, em Salvador. Santa Bárbara é padroeira das baianas de acarajé e Iansã é a dona do tabuleiro. Por causa da pesquisa de mestrado, ou trazida pelos ventos de Oiá (outro nome da divindade), em 2012 desembarquei em São Salvador. Como uma chuva que sempre volta, eu ia e vinha, entre as antigas capitais federais. No doutorado continuei seguindo os ventos e me dediquei às festividades dedicadas a Santa Bárbara e Iansã também em Salvador. Durante esses quase 10 anos muitas devotas, filhas de Iansã, babalorixás e ialorixás me falaram que eu tenho enredo com Iansã.
Iansã, Oiá, Matamba (ou Bamburucema para os adeptos de candomblé das nações angola e congo) usa vermelho, seu dia é a quarta-feira, come acarajé (gosta muito de dendê) é guerreira, forte, valente. Casou-se com Ogum. Mas Xangô se apaixonou por Oiá. Por isso Ogum e Xangô lutaram pelo amor dela. Xangô, rei de Oió ganhou e Iansã transformou na mais querida esposa do rei, com quem teve filhos gêmeos, os Ibejis. Teve muitos maridos e filhos. Iansã é e controla os raios, os ventos, as tempestades e trovoadas. Consegue, na sua complexidade, ser um búfalo e uma borboleta. Está sempre ao lado de mulheres fortes, valentes, trabalhadoras da rua e guerreiras. A divindade mora nos bambuzais.
Oxum, mais conhecida como rainha das águas doces, comanda os rios e as cachoeiras, onde ela faz morada. Gosta de amarelo, o dourado a encanta, dizem que por isso suas filhas gostam tanto de ouro. Formosa, bela, elegante e vaidosa, não tem quem não se encante. Também foi esposa de Xangô. É conhecida como orixá do amor, da fertilidade e da prosperidade. Na cidade que todo mundo é d’Oxum, conforme canta Gerônimo, a maioria é negra, mais de 80% da população. Na Meca Negra, ou Roma Negra, a força da ancestralidade faz-se sempre presente.
Iansã e Oxum representam a força do feminino com características marcantes presentes, de forma específicas, em cada uma de nós, mulheres negras. Nossas avós, mães, tias, irmãs, companheiras, amigas, etc., apresentam um pouco dessas divindades. Pela diáspora negra levamos nos nossos femininos parte dessas divindades. Cada uma de nós é ora tempestade e ventania, ora água calma de rio e rebentação de cachoeira.