Por Ivair Augusto Alves dos Santos
O beijo entre Popó (Mestre Ivamar) e a professora Celeste (Cyda Moreno) na novela “Amor perfeito”, foi um gesto emblemático, de enorme impacto no imaginário que povoa a cabeça de milhões de pessoas que viram a cena de duas pessoas idosas negras se beijando. O beijo, que é tradução de um ato de intimidade entre duas pessoas que se amam, transbordou alegria e paixão. Cena muito comum nas novelas, mas ganha uma dimensão explosiva quando se dá entre duas pessoas idosas e negras. Rompe com estereótipos de violência e tristeza e abre um caminho infinito de possibilidades de afetos e carinhos.
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Dois atores que, com muita naturalidade, traduziram o anseio e o desejo de milhões de pessoas negras, que não têm a oportunidade de se reconhecerem nos folhetins da televisão brasileira. O amor abre portas e consolidada visões humanas e sensíveis da convivência de pessoas negras.
Eu não me lembro quando vi pela primeira vez uma cena de amor com pessoas negras. Lembro das cenas de amor com o ator Sidney Poitier, mas não me lembro de uma carícia, um beijo. Um filme mudo americano de 1898 foi descoberto por pesquisadores da Universidade de Chicago e da Universidade do Sul da Califórnia, e traz a primeira representação cinematográfica conhecida de afeto entre pessoas negras no cinema americano.
Com 30 segundos de duração, o curta “Something Good – Negro Kiss” [“Alguma coisa boa – beijo negro”, em tradução livre] mostra um homem e uma mulher negros – os atores Saint Suttle e Gertie Brown – que se beijam, se abraçam, seguram as mãos um do outro e riem para a câmera.
O Movimento Negro Unificado, de maneira pioneira, abordou o assunto em seu jornal. “Reaja à Violência Racial: beije sua preta em praça pública” Em 1991, o verso do poeta Lande Onawale, ainda com o pseudônimo Ori, estampou a capa de uma das edições do jornal do MNU (Movimento Negro Unificado).
Amar e mostrar afeto em público entre pessoas negras transformou-se em um símbolo de rebeldia e insubordinação ao discurso racista que apaga as demonstrações de carinho e afeto entre pessoas negras. Como diz o ator e dramaturgo Clayton Nascimento: “Arte também é justiça”.
O beijo de idosos é tão intenso, tão ardente, tão maravilhoso, que a idade só aumenta a intensidade com o tempo. É muito gostoso ver dois idosos se acariciando em público e escandalizando os jovens com sua alegria de viver.
O beijo de Popó e Celeste alimenta a verdade de que o amor não acaba com a idade, mas transforma-se em beleza e sonhos, que alimenta a vontade de viver.