O que acontece depois que alguém é morto durante uma operação policial nas comunidades? Essa é a questão que a série “Amar é para os fortes”, criada por Camila Agustini, Marcelo D2 e Antonia Pellegrino e que tem estreia prevista para o dia 17 de novembro no Amazon Prime Video, vem responder ao criar uma história que se assemelha a de muitas famílias e que continua a se repetir enquanto o Estado insiste em manter uma ‘guerra às drogas’ que no final das contas sustenta um cenário de luto onde toda a sociedade acaba perdendo.
“A minha trajetória toda foi sobre esse tema e a vontade de achar um lugar aonde todo mundo pudesse falar e ser ouvido. Esse meu trabalho como roteirista, diretor, produtor e na série como showruner, tinha essa vontade da gente achar um olhar diferente e esse era um grande desafio pra contar essa história”, revelou Marcelo D2 em entrevista para o Mundo Negro, ao falar sobre como a série aborda o tema da violência policial e guerra às drogas a partir das historias que pouco são contadas.
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“Amar é Para os Fortes” é inspirada no disco de 2018 do rapper brasileiro, que deu origem ao média-metragem de mesmo nome. A série conta a história de duas mulheres negras cariocas, Rita, vivida por Tatiana Tibúrcio, e Edna, interpretada pela atriz Mariana Nunes. O destino dessas mulheres se cruzam quando o filho de Rita, Shushi, de 11 anos, interpretado por João Tibúrcio, é morto durante uma operação policial na comunidade da Maré, no Rio de Janeiro. O policial responsável por atirar no garoto é Digão, personagem do ator Maicon Rodrigues, que é filho de Edna. Em busca de justiça, Rita terá o apoio do filho Sinistro, interpretado por Breno Ferreira, artista plástico que busca formas de se organizar para lutar contra a violência na comunidade.
Tatiana Tibúrcio dá vida a uma mãe obstinada, que luta por justiça pelo filho que se foi e, ao mesmo tempo, se preocupa com Sinistro, seu filho mais velho. A atriz destacou o quanto foi difícil viver a personagem: “Pra mim foi duro, muito duro e difícil por ser uma história que a gente está cansado de ver. Infelizmente é uma história que se repete muito. A gente tem a oportunidade, nesse roteiro, de contar essa história a partir de uma outra ótica, de um outro viés, enfatizando, outros lugares que não são comumente colocados quando se conta história de pessoas pretas atravessadas pela violência”.
Em paralelo à luta de Rita, Edna, vivida por Mariana Nunes, tenta defender o filho das punições que podem recair sobre ele após a operação que matou Sushi. Nunes falou sobre como sua tentou se distanciar da realidade da periferia para dar outro destino para o filho: “No atual momento da vida dela e já há bastante tempo, entre muitas aspas, já não convive diretamente com essa violência. Ela mora num lugar onde ela se sente protegida e afastada disso, e tanto quis sair do lugar onde ela nasceu e tinha contato com essa violência e se sentia exposta e agarrou a oportunidade de não estar mais ali. Mesmo quando isso acontece, a desgraça bate à sua porta. Porque ela não quis criar o filho na comunidade, na favela, para esse filho não levar uma bala, e o filho dela dispara um tiro em uma criança que morava nesse mesmo lugar de onde a Edna saiu”.
Complexidade das relações em contextos de violência
Maicon Rodrigues interpreta o policial Digão, que é acusado de atirar em Sushi. O ator comentou sobre a relação complexa que seu personagem mantém, sendo também um jovem negro: “Acho que esse personagem chega para mim como uma missão mesmo, para poder dialogar num outro lugar da nossa escrita enquanto dramaturgia do Brasil, que são duas famílias pretas, uma família de um policial preto, que acaba atirando e matando uma criança preta também”, destaca. “Eu acho que os desdobramentos disso, num lugar que a gente está falando aqui dessa série, é muito potente. No sentido que a gente vai conversar com coisas que são nossas, que a gente precisa falar. Como esse sistema é máquina de fazer vilão mesmo. O moleque que atira é o moleque que vai morrer também”.
Já Breno Ferreira, que interpreta Sinistro, lembrou que mesmo depois que a câmera desliga, a vida continua e a comunidade continua a viver esse contexto de violência e das mães que perderam seus filhos: “Eu não tive um irmão assassinado pela violência do Estado, mas tive pessoas na família. E a gente está falando disso, não tem como a gente não ir para esse lugar. A gente está gravando em lugares reais, a gente tá no meio do complexo da Maré fazendo cenas e falando dessas coisas e a gente sabe que quando dá o corta da câmera a vida não para, então essas coisas vão continuar. Tudo isso passa pela sua cabeça. Eu me vejo muito no Sinistro, nessa questão dos amigos e se descobrindo artista na sua comunidade, obviamente com outro temperamento, mas também passei por isso, desse lado transgressor, de quando a arte está entrando na vida e você está descobrindo essas coisas. A forma de reivindicar a justiça através da arte”, disse.
Ao abordar o contexto da violência policial a partir do luto de uma mãe e de como esse acontecimento também afetou a vida da família do policial, a série também evitou cenas de extrema violência, se desligando dos estereótipos comuns vistos em produções com a mesma temática.
“A primeira preocupação era como falar disso de uma forma que não seja sensacionalista, que não retrate as mesmas coisas de sempre, que é a polícia, a operação, uma sucessão de mortes que no fundo parece que nada importa. Outro elemento importante é como a gente vive um luto, como a gente acompanha uma mãe. Isso não quer dizer que esse problema acabou. Mas como aprofundar”, contou Yasmin Thayná, que dirige a série ao lado de Kátia Lund e Daniel Lieff.
Yasmin pontuou também que a série buscou retratar a busca das mães, que muitas vezes precisam procurar em mais de um hospital pelo corpo dos filhos mortos durante as operações, o luto vivido por elas e a busca por justiça: “Existem mecanismos que se repetem. Existiu uma investigação profunda durante dramaturgia para entender que mecanismos são esses e de que maneira a gente retrata isso sem ser sensacionalista. De forma ética. Não dá pra falar de genocídio e não tocar nos pontos que realmente chamam atenção e isso influenciou no modo como a gente, na direção, resolveu filmar essa história”.
Uma das criadoras da série, Camila Augustini pontua: “Tinha uma discussão que a gente queria fazer que não era mostrar que esse problema não era simples a ponto da gente falar que existe um grande vilão. Tem um problema que o sistema tem que ser discutido. E aí, a gente faz a opção de trabalhar essa família desse policial também que, obviamente ele comete um crime atroz, mas ele está inserido em um sistema que está todo errado”.
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