
Há poucos dias, vimos imagens chocantes de um homem agredindo sua companheira com 61 socos dentro de um elevador. Mesmo com leis, debates públicos e discussões televisionadas, ainda não tem sido suficiente para coibir a violência doméstica. Segundo dados oficiais, mulheres negras com filhos menores de idade representam a maioria das vítimas no Brasil.
Mas, apesar de toda essa estrutura de vulnerabilidade construída pelo patriarcado e pelo racismo, seria possível que as vítimas recomeçassem suas vidas longe de seus agressores?
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Quando assisti ao trailer de ‘A Melhor Mãe do Mundo’, chorei muito, imaginando as diversas possibilidades do que poderia dar certo ou errado para Gal (Shirley Cruz), uma catadora de materiais recicláveis que decide pegar seus dois filhos e fugir de casa após sofrer agressão do companheiro Leandro (Seu Jorge). Mas essa história é surpreendente, porque não é mais um filme centrado na exploração do sofrimento de uma mulher negra. É uma produção que revela as possibilidades de busca pela felicidade, apesar das dores.

Em entrevista ao Mundo Negro, Seu Jorge destacou seu desejo de que a figura materna seja respeitada na sociedade. “Espero que a reflexão siga em torno daquilo que a gente trata como sagrado, imaculado, que é a mãe e a maternidade. A mãe é um estado de fé”, disse à editora Halitane Rocha.
“Minha experiência me diz que a questão da equidade parental precisa de debate, partindo do ponto de vista do papel da mãe na sociedade. Quanto ela recebe de suporte social? Qual é o tamanho do apoio à mãe? Esse ser tão imaculado, tão sagrado, passa por todos os desafios na sua vida. Nos dias de hoje, nesse estado contemporâneo em que vivemos, a violência doméstica…”, refletiu, destacando a importância do Estado e da coletividade na proteção às mães.

A honra de uma mulher negra
Na trama, os filhos de Gal dão um show de beleza. Estão sempre bem vestidos, com os cabelos black armados, o que pode ser difícil de imaginar para quem consome produções audiovisuais que não respeitam essa realidade ou a profissão de catadora.
Para Shirley, a dignidade de sua personagem é o que mais a emociona. “A Gal é uma mulher muito honrada, como todas as mulheres negras são. Isso, para mim, é a coisa mais linda. Quando li esse roteiro, vi que era um roteiro de vitórias. Então, isso é o que mais chama a atenção, porque a dificuldade do audiovisual brasileiro é colocar pessoas negras em situações prósperas.”
A atriz destaca que, mesmo em situação de vulnerabilidade, isso não significa que pessoas negras não sejam fortes e honradas. “Tenho interesse que meu povo seja visto com força, com a capacidade de persistir na busca da felicidade e alcançá-la, se possível.”

Segundo Shirley, ‘A Melhor Mãe do Mundo’ contribui para o ensinamento do respeito à sociedade. “Respeito à mãe negra, à mãe, à mulher — de qualquer classe social e raça. Mas essa [Gal] é preta. É solo, é periférica, não é de rua. Então, acho que é uma oportunidade muito linda, muito importante de honrar uma mulher negra, que vive o cotidiano.”
“Acho muito feliz a escolha de uma catadora que é completamente invisibilizada. Mais do que isso. Ou você não enxerga ou tem meio asco da mulher que ‘chafurda’ o lixo, mas o que ninguém sabe, o que ninguém viu e o que a gente mostra é que é um trabalho digno, que cata 70% aproximadamente do lixo da cidade de São Paulo, e que no final do expediente toma um banho e sai cheirosa, sai arrumada, sai penteada, vai buscar esses filhos, que também tem a roupa limpinha. Então, é uma alegria muito grande, com toda a dor que o filme não romantiza, mas com muita felicidade. Estou me sentindo honrada”, celebrou Shirley.
“Eu não queria expor a violência”
Amplamente aclamado em diversos festivais nacionais e internacionais, ’A Melhor Mãe do Mundo’ foi destaque inclusive no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara. Shirley Cruz venceu na categoria de Melhor Interpretação, enquanto a diretora e roteirista Anna Muylaert foi premiada com o Melhor Roteiro.

Pensar além dos estereótipos foi o grande desafio do filme, segundo Anna. “Acho que ele anda no fio da navalha em relação a tudo. Uma coisa eu tinha certeza, que eu queria honrar a personagem. Eu não queria expor a violência, mas também não podia esconder. Quer dizer, não tem nenhuma cena, mas está sempre ali. O filme também tem o lirismo que eu também não podia exagerar. Esse filme é uma culinária entre a dureza da vida e o lirismo possível”, explicou.
“O fato de ser uma personagem preta, retinta, também tem a ver com a minha admiração pela Shirley, pela minha confiança em todo mundo que está no filme. Eu acho que direção não é ser uma autoridade, direção é ser permeável a gira que ela própria montou. Então, acho que eu montei uma gira de pessoas muito sensíveis, a maioria preta no elenco, pessoas muito inteligentes, muito talentosas, e nós fomos juntos contar uma história”, destacou.
Além de Shirley Cruz e Seu Jorge, o filme também é estrelado por Luedji Luna, Dexter, Rejane Faria, Ayomi Domenica, Rihanna Barbosa, Benin, Katiuscia Canoro, entre outros.
O longa estreia nos cinemas dia 7 de agosto.
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