NEGRO DRAMA
“Entre o sucesso, e a lama,
Dinheiro, problemas,
“Inveja, luxo, fama…”
Racionais Mc’s – Negro Drama
Notícias Relacionadas
Taís Araujo fala sobre emoção de gravar como Nossa Senhora em ‘O Auto da Compadecida 2’: “Queria esticar aquele momento”
7ª edição da Celebração do Cinema e Televisão Negros dos EUA celebra carreira de Regina King e Tyler Perry
Por Carol Machado
O cineasta afro-brasileiro Jéferson De, acabou há alguns anos dirigindo a excelente atriz Zezé Motta no filme Carolina. Tenho praticamente certeza que 90% das pessoas que estão lendo este texto, não tiveram acesso à obra e, portanto nem sabem de quem o roteiro deve estar falando. É sobre Carolina Maria de Jesus, escritora do livro autobiográfico “Quarto de Despejo” – traduzido em 13 idiomas. Apesar da fama, ela morreu na mesma pobreza que narrava.
A história de Carolina de Jesus começa lá no interior do estado de Minas Gerais. Especificamente no dia 14 de março de 1914, na cidade de Sacramento. Neta de escravos, sobre o pai apenas se refere como um tocador de violão, mas que não gostava de trabalhar. A mãe, uma lavadeira criou a família e ganhou sua admiração.
Devido os préstimos de sua mãe, Carolina conseguiu estudar no Colégio Alan Kardec, em Sacramento, com bolsa cedida por Maria Leite Monteiro de Barros – uma das freguesas de sua genitora. Mas pode apenas fazer a primeira e segunda série do Ensino Fundamental.
Atrás de oportunidade de emprego, a família mudou-se para Lageado, município próximo a Uberaba, mas quatro anos depois retornam para Sacramento. Em 1930, a família de Carolina vem para o estado de São Paulo, se instalando na cidade de Franca, forte na produção de café e sapatos.
httpv://www.youtube.com/watch?v=mLkJy86VU84&list=PL20upv2JBXS1z-vtjikbNEJ8hegqD_wrE&index=7
Em 1937, aos 23 anos, Carolina, perde a mãe e também o único vinculo que a mantinha em Franca e parte para capital do estado, atrás de melhores chances de emprego. Chega à terra da garoa, no dia 31 de janeiro.
Entre empregos informais e trabalhos domésticos, a futura escritora, começa a sonhar com o mundo das letras. Num ato de coragem, vai sozinha, a redação do jornal “A Folha”, na Rua do Carmo. No dia 24 de fevereiro de 1941, tem sua foto junto com um poema em louvor a Getulio Vargas é publicado.
Enviando regularmente poemas para o jornal, Carolina é apelidada de poetisa negra, com admiração dos leitores, pela qualidade do texto.
Mas sua grande chance acontece somente em 1958, quase que por acaso. O repórter do jornal Folha da Noite, Adálio Dantas é designado para fazer uma matéria sobre a favela do Canindé. Entre as casas visitadas, o jornalista se depara com a intelectualidade de Carolina, no meio daquela miséria, e ela mostra seus textos a ele. É seu diário, que viria a ser chamado no futuro em publicação de “Quarto de Despejo”. O jovem repórter fica maravilhado com a leitura. No dia 19 de maio, o jornal publica parte do texto, sendo elogiado.
Em 1959, a grande revista da época – O Cruzeiro, também se interessa pelos textos e publicas trechos, mas somente em 1960, com uma tiragem inicial de 10 mil exemplares é publicada a obra: “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”.
Somente na noite de autógrafos, Carolina consegue vender 600 exemplares e no fim do ano atinge a cifra de 100 mil cópias. Ela atinge o apogeu, com sua foto estampada na Revista “Negro”, do Circulo Negro. A Academia Paulista de Letras e a Academia de Letras da Faculdade de Direito Largo São Francisco, lhe prestam homenagens.
Com base no sucesso do livro “Quarto de Despejo” ela ainda viaja pelas cidades de Pelotas, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Caruaru e Recife. Até uma peça de teatro, baseada no livro é encenada no Teatro bela Vista, em São Paulo, adaptada por Amir Hadad.
Movido por esse sucesso, Carolina publica no ano seguinte o livro “Casa de Alvenaria: Diário de uma Ex-Favelada”, com prefácio escrito pelo jornalista que a descobriu: Adálio Dantas, pela Editora Paulo de Azevedo. Sua agenda de lançamento editorial a leva a excursionar pela Argentina e Uruguai.
Ainda em 1961, ela participa da Feira do Livro do Rio de Janeiro, como uma das estrelas, despertando o ciúme de um dos maiores escritores do país: Jorge Amado.
Já 3 anos após seu lançamento, Quarto de Despejo é traduzido para o inglês, sendo publicado nos Estados Unidos, sob o titulo “Child Of the Dark: The Diary of Carolina Maria de Jesus. Também em 62, sai a versão em alemão com o titulo Tagebuch der Armut:Aufzeichnunger einer Brasilianischn Negerin.
Ela lança ainda Pedaços de Fome, pela Editora Áquila, apresentado pelo escritor Eduardo de Oliveira. E Quarto de Despejo é reeditado nos Estados Unidos. Ela ainda consegue publicar o livro Provérbios, em 1965, no mesmo ano tem sua obra traduzida em Cuba.
Apesar de ter um livro como verdadeiro best seller, envolvida em contratos estranhos, Carolina de Jesus não se beneficiou do sucesso, financeiramente, apenas as editoras. Não demorou muito a voltar à condição de miserabilidade, sendo inclusive, em 1964, sendo fotografada pela imprensa como simples catadora de papeis nas ruas de São Paulo.
No mesmo tempo que sua obra é reeditada na Alemanha, muda-se para Parelheiros, então periferia de São Paulo, seno inclusive em 1975, objeto de um documentário para a TV daquele país – intrigado por sua obra, intitulado “Despertar de um Sonho”.
Em 1976, a Edioro compra os direitos da obra Quarto de despejo e novamente a escritora, novamente favelada, não vê a cor do dinheiro. Um ano depois, no dia 13 de fevereiro, ela morre, sendo enterrada sem cerimônia ou pompa. Aos 62 anos de idade, rodeada basicamente pelos três filhos, seu corpo é depositado no Cemitério da Vila Cipó, mais de 40 quilômetros do centro da cidade.
Sua obra, pouco divulgada e estudada, faz o que o Rap com suas letras conseguem hoje – traduzir o olhar da população negra e pobre sobre a realidade. Sem o linguajar intelectual e alienado de escritores que apenas visitam a miséria, sem conhecê-la perfeitamente.
É como canta Mano Brown – Racionais Mcs na letra Negro Drama “Eu Não Li, Eu Não Assisti. Eu Vivo O Negro Drama, Eu Sou O Negro Drama. Eu Sou O Fruto do Negro Drama” Carolina é a Negra Drama, vivenciado a situação e narrando, não copiando ou fingindo o que acontece.
Não é a toa que na Trilha Sonora do Filme sobre ela, que Jéferson De colocou a musica. Até parece que o rapper leu o livro, antes de escrever suas letras. A perversidade que a elite intelectual tratou sua maior obra, que chega a insinuar que Quarto de Despejo é na verdade escrita por Adálio Dantas.
Ela deixou três filhos: João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima. Não teve um companheiro fixo, mas vários amores. Ela afirmava que era difícil um homem suportar uma mulher que dorme com um lápis e papel nas mãos e a qualquer momento, quer escrever. Para se sustentar foi desde a infância empregada domestica, trabalhando em diversas residências e por fim terminou seus dias como catadora de papel. Só em 1983 a TV brasileira, através da Rede Globo fez um resgate de sua historia na série “Caso Verdade”.
Uma dos fatos que mais incomodavam Carolina no final de vida é compreender como pode ter alcançado o sucesso e tão rápida ser esquecida.
Em 1986 foi publica sua obra póstuma – Diário de Bitita, pela Editora Nova Fronteira, mas que absurdamente foi publicado em primeiro na França, só depois no Brasil.
Acompanhe a comemoração do centenário de Carolina de Jesus pelo Facebeook: https://www.facebook.com/anocentenariocarolinamariadejesus
Notícias Recentes
FOTO 3X4: HUD BURK - Cantora
‘O Auto da Compadecida 2’: Um presente de Natal para os fãs, com a essência do clássico nos cinemas
Comments are closed.