A cultura africana como alicerce da cozinha baiana

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A cultura africana como alicerce da cozinha baiana
Jorge Washington (Foto: Divulgação)

Por: Afrochefe Jorge Washington 

Com a chegada forçada de milhões de africanos escravizados ao Brasil, especialmente à Bahia, práticas alimentares de diferentes etnias foram recriadas com os ingredientes disponíveis no novo território. O dendê, o leite de coco, o quiabo, a pimenta, o inhame e outros alimentos de origem africana passaram a ser combinados com produtos locais e europeus, criando uma culinária única e profundamente simbólica, que é também marca de resistência.

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Os pratos afro-baianos são expressões vivas da cosmovisão africana. Acarajé, vatapá, caruru, abará e moqueca não são apenas alimentos, mas manifestações da religiosidade afro-brasileira, especialmente do Candomblé e de como a sabedoria africana se tornou um conhecimento vivo que atravessa gerações. Muitos deles são oferecidos aos orixás, cada qual com seus significados, cores e ingredientes específicos.

Culinária como Patrimônio e Resistência

A gastronomia afro-baiana é um patrimônio cultural imaterial, reconhecido pela sua importância histórica e simbólica. O ofício das baianas de acarajé, por exemplo, foi registrado pelo IPHAN como patrimônio cultural do Brasil. Essas mulheres são guardiãs de um saber ancestral que ultrapassa a cozinha — são também figuras centrais na preservação das tradições afro-religiosas, no fortalecimento da identidade negra e na economia informal que antes, nas mãos das quituteiras, garantiu a sobrevivência e liberdade de muitos. 

Em um contexto de opressão histórica, a culinária foi (e ainda é) uma forma de resistência. Cozinhar com dendê e rezar para os orixás era, durante muito tempo, uma forma de manter a fé viva, mesmo sob perseguição. Ao preparar a comida nós e nossos ancestrais mantivemos nossas raízes culturais, transformando a cozinha em um espaço de liberdade e ancestralidade.

Religiosidade e Sagrado nos Sabores

Na culinária afro-baiana, a comida é também sagrada. Cada prato tem uma ligação com os rituais do Candomblé. O acarajé, por exemplo, é oferecido a Iansã, orixá dos ventos e das tempestades. O amalá é prato de Xangô, feito com quiabo e carne. Mais do que alimento, esses pratos são oferendas, pontes entre o mundo terreno e o espiritual.

Essa dimensão simbólica transforma a cozinha em um terreiro — um espaço onde se celebra a vida, a fé e a ancestralidade. Comer um prato afro-baiano é, muitas vezes, participar de um rito, mesmo que inconscientemente.

Saberes e Sabores que Moldam a Identidade Baiana

A presença da cultura africana na Bahia é marcante em todos os aspectos da vida cotidiana, e a gastronomia é uma das formas mais potentes dessa expressão. Aqui em Salvador e no Recôncavo Baiano, os sabores da África estão em cada esquina, em feiras, mercados e tabuleiros. É por meio desses alimentos que reafirmamos nossa identidade cultural e transmitimos, de geração em geração, os saberes da cozinha de terreiro e da oralidade ancestral.

A culinária afro-baiana é o reflexo de uma herança africana que resistiu à escravidão, à marginalização e ao preconceito. Ela é uma celebração da cultura negra, um canal de memória, espiritualidade e pertencimento. Ao valorizar a gastronomia afro-baiana, reconhecemos o poder da cultura na construção dos sabores que definem não apenas um território, mas também a alma de um povo.


Texto: Jorge Washington [@jorgewashingtonr]. Um talentoso profissional que atua em duas áreas diferentes: como Afrochefe e como Ator. Sua paixão pela culinária é evidente em seu trabalho como Afrochefe, onde ele incorpora ingredientes como ancestralidade e  afetividade em suas criações. Desde jovem, Jorge Washington ajudava sua mãe Georgina nas compras da feira, cortando temperos, tratando carnes e aprendendo as  melhores formas e estratégias para deixar cada preparo saboroso. Ele é conhecido por  pratos como bacalhau martelo, galinha ao molho pardo, moqueca de feijão, xinxim de  bofe, moqueca de miraguaia, além de suas próprias criações e adaptações, como  maxixada de carne seca, moqueca de carne seca com mamão verde, fígado com  maxixe, entre outros. Jorge Washington, ou como ele prefere ser chamado, o Afrochefe, traz consigo sua herança africana e promove a culinária baiana através do  Projeto Culinária Musical, buscando promover reflexão, intercâmbio, conhecimento e estímulo à arte gastronômica. 

Esse conteúdo é fruto de uma parceria entre Mundo Negro e Feira Preta.

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