Exposição com fotografias de Gordon Parks destaca Malcolm X, cotidiano e infância da comunidade negra nos EUA

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Exposição com fotografias de Gordon Parks destaca Malcolm X, cotidiano e infância da comunidade negra nos EUA
Sem título, Nova Iorque, 1963. Foto de Gordon Parks. Cortesia da Fundação Gordon Parks.

Retratos marcantes de Malcolm X, Martin Luther King e Muhammad Ali, além de registros da vida cotidiana de pessoas negras em estados segregados dos EUA, estão na exposição ‘Gordon Parks: a América sou eu’, em cartaz a partir deste sábado (4), no IMS Paulista, com entrada gratuita. A mostra é a primeira retrospectiva do fotógrafo no Brasil e a maior já realizada na América Latina, reunindo cerca de 200 imagens produzidas entre as décadas de 1940 e 1970, além de filmes, periódicos, depoimentos e publicações.

Com curadoria de Janaina Damaceno, Iliriana Fontoura Rodrigues e Maria Luiza Meneses, a exposição ocupa dois andares do centro cultural e apresenta um panorama da trajetória multifacetada de Parks (1912-2006), que foi também músico, cineasta e poeta. Entre as séries consagradas em exibição estão ‘De volta a Fort Scott’ (1950) e ‘Histórias da segregação no sul’ (1956).

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Considerado um dos nomes centrais da fotografia mundial, Parks documentou com sensibilidade e contundência a experiência da população negra nos Estados Unidos, denunciando o racismo e a desigualdade em uma obra que uniu arte e ativismo. Foi o primeiro fotógrafo negro contratado pela revista Life, em 1948, e construiu uma carreira marcada por prestígio internacional e engajamento político. Além da fotografia, também se destacou no cinema com obras como ‘Shaft’ (1971), clássico do movimento blaxploitation.

No sábado (4), às 11h, a equipe de curadoria participa de uma conversa com o público no cineteatro do IMS. A exposição é realizada em parceria com a Fundação Gordon Parks, responsável pela preservação de seu acervo.

Sem título, Harlem, 1963. Foto de Gordon Parks. Cortesia da Fundação Gordon Parks.

A América sou eu” 

O título da exposição — A América sou eu — foi tirado de um texto que Parks escreveu para a revista Life, em 1968, no qual aborda uma questão crucial para o movimento negro nos EUA: o fato da democracia americana ter se consolidado sob um regime de segregação racial, excluindo a população negra. O texto acompanhava uma série de fotografias nas quais Gordon registrava as condições precárias dos Fontenelle, família negra moradora do Harlem.

Com suas próprias palavras, mas também ressoando as da família Fontenelle, o fotógrafo afirma: “Entre nós dois há algo que vai além do sangue ou do preto e branco. Trata-se da nossa busca compartilhada por uma vida melhor, um mundo melhor. O solo sobre o qual protesto é o mesmo que você no passado protestou. As coisas pelas quais luto são as mesmas que você. As necessidades dos meus filhos são as mesmas que as dos seus. Eu, também, sou a América. A América sou eu. Ela me concedeu a única vida que tenho, então devo compartilhá-la em sua luta. Olhe para mim. Escute-me. Tente entender a minha luta contra o seu racismo. Ainda há uma chance para que consigamos viver em paz sob esses céus tão intempestivos.

Sem título, Alabama, 1956. Foto de Gordon Parks. Cortesia da Fundação Gordon Parks.

Séries feitas no Harlem e no Sul segregado 

A retrospectiva no IMS inclui as principais séries fotográficas realizadas por Parks, destacando como a produção sequencial de imagens é um aspecto importante em sua obra, com o objetivo de mostrar a complexidade dos sujeitos, documentando-os em sua integralidade, em contraponto a uma imagem única e estereotipada. 

Uma das primeiras séries apresentadas, logo na entrada da exposição, é a dedicada a Ella Watson (1942). Quando produziu as imagens, Parks estagiava na Farm Security Administration (FSA), agência do governo americano, com o aporte de uma bolsa de estudos para artistas negros.

Ao chegar em Washington, D.C., Parks circulou pela cidade e, mesmo não estando em um território sulista, foi expulso e impedido de entrar em restaurantes, cinemas e de fazer compras em lojas. Para poder transmitir essa experiência, o fotógrafo decidiu fazer um ensaio com Ella Watson, funcionária do departamento de limpeza da FSA. Parks documentou diversas facetas da vida de Watson, como a convivência com os netos e sua importância na Igreja que frequentava.

Em uma das imagens mais marcantes da série, conhecida como American Gothic, Watson segura uma vassoura de um lado, e do outro um esfregão. A bandeira americana aparece no fundo, enfatizando a exclusão vivenciada pela comunidade negra nos EUA. Sobre a concepção da imagem, Parks relata: “Então, coloquei-a diante da bandeira americana com uma vassoura em uma mão e um esfregão na outra. E eu disse: ‘American Gothic’. Foi assim que me senti naquele momento. Não me importava com o que os outros sentiam. Era isso que eu sentia em relação aos Estados Unidos e à posição de Ella Watson dentro dos Estados Unidos”.

Foto de Gordon Parks no IMS (Crédito: Maria Clara Villas)

Em seguida, a retrospectiva apresenta as imagens que Parks produziu no bairro do Harlem, em Nova York, destino de milhares de pessoas que fugiam da segregação racial do Sul. Neste núcleo, são exibidas as séries Líder de uma gangue no Harlem (1948), que marca a estreia de Parks na revista Life, e Homem invisível (1952), uma parceria entre ele e o escritor Ralph Ellison, além do filme Shaft (1971), tido como uma das principais obras do blaxplotation, gênero cinematográfico que reivindica o protagonismo negro no cinema norte-americano.

Na série De volta a Fort Scott (1950), também presente na mostra, o fotógrafo empreende um retorno a sua terra natal, no Kansas, sob o regime de segregação, onde conversa com ex-colegas de classe e registra o que aconteceu com eles que, em sua maioria, assim como o próprio Parks, migraram para o Norte em busca de melhores condições de vida, mas sem se livrar totalmente da violência e da precariedade imposta pela estrutura racista.

Outro destaque da exposição, Histórias da segregação no sul (1956), foi uma série encomendada pela Life, na qual Parks documentou o Sul segregado. Para poder produzir as imagens, o próprio fotógrafo passou por diversas situações de violência, sendo inclusive perseguido por nacionalistas brancos. Em imagens coloridas, Parks mostra o cotidiano das pessoas negras nesses estados, perpassado por diversos símbolos de violência e segregação, como as placas que sinalizavam lugares permitidos apenas para brancos. As fotografias denunciavam a realidade e os sistemas de dominação e, por outro lado, mostravam a complexidade e potência das pessoas, retratadas em toda sua plenitude e beleza. 

No próximo andar, a retrospectiva exibe trechos de Com o terror na alma (The Learning Tree,1969), primeiro filme dirigido por um cineasta negro em Hollywood. De caráter autobiográfico, o longa-metragem é inspirado na infância de Parks no Kansas. As crianças, por sinal, assim como a religiosidade, são temas frequentes na produção do artista, como pontua a curadoria: “Com algumas de suas imagens, Gordon Parks devolve às crianças negras um lugar onde elas podem ser apenas crianças brincando com um besouro de estimação, saltando em poças d’água em bairros rurais ou nas periferias das cidades ou lendo com os seus pais.”

Rio de Janeiro, 1961. Foto de Gordon Parks. Cortesia da Fundação Gordon Parks

Parks e a relação com o Brasil

Outro aspecto importante ressaltado na retrospectiva é a presença de Parks no Brasil. Em 1961, o fotógrafo veio ao país a pedido da Life, para documentar a vida nas favelas cariocas. Ele acompanhou durante algumas semanas o cotidiano da família Da Silva, que migrou do Nordeste para o Rio de Janeiro e, em especial, de seu filho Flávio, que sofria de bronquite crônica. Devido à reportagem, a família recebeu doações dos leitores da revista e comprou uma casa no subúrbio, e Flávio foi levado para os Estados Unidos para tratar de sua doença. O caso teve grande repercussão na imprensa brasileira, e a revista O Cruzeiro enviou o fotógrafo Henri Ballot para fazer uma reportagem sobre a pobreza no Harlem. 

Além da matéria, Parks realizou também seu primeiro filme, Flavio (1964). Narrado em primeira pessoa, com a voz de um menino, o curta faz parte da história do cinema da diáspora negra, sendo um dos primeiros filmes dirigidos por um homem negro em solo brasileiro. Na exposição, são apresentadas ainda imagens inéditas de Parks no Brasil: crianças jogando bola na lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, e um culto evangélico. 

Em cartaz até 1 de março de 2026, a mostra contará com uma ampla programação, além de um catálogo com imagens e textos da exposição. Ao visitar a retrospectiva, o público poderá mergulhar na obra e trajetória de Parks, marcada pelo compromisso político e pela cumplicidade com os fotografados, como pontua a curadoria: “A exposição é um reencontro com a história negra americana, mas também com um dos mais importantes fotógrafos do século XX, aquele que melhor documentou como a dignidade, o autocuidado e a beleza se tornaram formas de resistir a um sistema que desejava o aniquilamento de pessoas negras. Em sua obra, ele fala sobre subalternidade, sobre a estrutura racista americana, ao mesmo tempo que reforça narrativas de cumplicidade, de autoamor, de comunidade, de intimidade e confiança entre pessoas negras. Ele nos mostra nossas singularidades e a multiplicidade de nossas experiências como pessoas negras no mundo”

SERVIÇO

Gordon Parks: a América sou eu

De 4 de outubro de 2025 a 1 de março de 2026

Entrada gratuita

7o e 8o andar

IMS Paulista

Avenida Paulista, 2424. São Paulo

Tel.: 11 2842-9120

Horário de funcionamento: Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h.


 

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