
As crianças negras precisam da nossa atenção. A escola deveria ser um espaço seguro para todas, mas os dados mostram o contrário. Entre janeiro de 2024 e julho de 2025, as escolas estaduais de São Paulo registraram 4.554 casos de injúria racial — uma média de oito por dia. Os números fazem parte de um levantamento da Seduc-SP, publicado pelo Metrópoles a partir de dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). A maior parte das ocorrências aconteceu no interior (55,9%), seguida da capital (24,3%), região metropolitana (18%) e litoral (1,8%). Especialistas, no entanto, alertam para a subnotificação: a realidade pode ser ainda mais grave.
Esses números apenas confirmam o que muitas famílias negras já sabem. O racismo não espera a vida adulta para se manifestar. Ele atravessa a infância, se mostra no recreio, nas salas de aula, nos grupos de WhatsApp e, muitas vezes, até nas relações com professores. E sabemos que esse cenário não é exclusivo de São Paulo. Ele se repete em todo o país.
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Falo também da minha experiência. Quando criança, ouvi “piadas” sobre meu cabelo. Minha mãe, sem letramento racial, tentava me proteger. Penteava meus cachos com escova até alisar a frente e prendia em rabo de cavalo. Eu nunca ia para a escola de cabelo solto. Era a forma dela de evitar as micro — que na verdade são macroviolências — do cotidiano escolar.
O jurista Adilson Moreira chama isso de racismo recreativo: quando o preconceito vem disfarçado de brincadeira, piada ou comentário “inofensivo”. Ele o define como um tipo de “racismo sem racistas”, porque quem pratica raramente reconhece a violência que causa. Mas, na prática, essas atitudes sustentam desigualdades, reforçam estereótipos e questionam a capacidade de pessoas negras ocuparem espaços de destaque. E Moreira lembra: essas ofensas não atingem só a vítima direta. Elas ferem a coletividade. Ser ridicularizado pela cor da pele não marca apenas uma criança — marca todo um grupo.
A escola, para minha geração, foi uma conquista. A Constituição democrática garantiu o acesso à educação pública, fruto da luta dos movimentos sociais. Esse espaço deveria significar aprendizado, convivência e desenvolvimento social. Mas para muitas crianças negras, ainda é também um lugar de violência e exclusão.
O movimento negro sempre da importância da escolarização. É por isso que lutamos, há décadas, para reduzir as desigualdades raciais na educação. Conquistas como a Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira, e a matrícula obrigatória a artir dos quatro anos de idade são vitórias importantes. Mas sabemos: direito na lei não é sinônimo de justiça no cotidiano.
É doloroso reconhecer que o lugar que deveria proteger e formar também pode ferir. Cada ocorrência de racismo escolar deixa uma cicatriz profunda, que atinge a criança e a comunidade ao seu redor. Por isso, quando falamos em educação antirracista, não estamos tratando de um “tema extra” no currículo. Estamos falando de transformar a escola em um espaço que ensina, protege e valoriza todas as infâncias e adolescências.
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