A discussão sobre adultização de crianças nas redes sociais voltou à tona no Brasil. Não é só sobre look do dia, dancinhas e mini-influenciadores. É sobre como plataformas, marcas e adultos transformam meninas e meninos em produtos de entretenimento e consumo, empurrando limites de aparência, sexualidade e privacidade.
Fora das telas, os números oficiais mostram um país em que a violência sexual contra crianças e adolescentes segue alta e subnotificada, atingindo de forma desproporcional a população negra. Diante desse quadro, grupos criminosos miram crianças em maior vulnerabilidade, muitas vezes com convites falsos de fama e visibilidade on-line. A falta de letramento digital, a baixa escolaridade e a pobreza formam um combo que abre portas para aliciadores, enquanto as grandes plataformas demoram a agir com a proteção devida.
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Entre 2021 e 2023, mais da metade das vítimas de violência sexual de 0 a 19 anos registradas no sistema de saúde eram crianças e adolescentes negros, pretos e pardos. No mesmo recorte, 48,3 por cento tinham entre 10 e 14 anos e 87,3 por cento eram meninas. Em 2021, as notificações do Ministério da Saúde já indicavam maior proporção de vítimas pretas e pardas tanto na infância, de 0 a 9 anos, quanto na adolescência, de 10 a 19.
A lógica do turismo sexual, que por décadas atraiu ao país homens interessados em exotizar corpos negros, migrou para o digital. Plataformas transformam crianças em vitrines permanentes, algoritmos ampliam o alcance e a distância geográfica deixa de ser barreira para que aliciadores acessem meninas negras.
No ambiente digital, a exposição é massiva. A TIC Kids Online mostra que 88 por cento dos usuários de internet de 9 a 17 anos possuem perfil em redes sociais. Entre 15 e 17 anos, são 99 por cento. Instagram, YouTube, TikTok e WhatsApp dominam o cotidiano desses jovens.
Adultização não é só “estilo”
Quando perfis tratam crianças, sobretudo meninas negras, como miniadultas, a mensagem normalizada é a de que a infância negra pode ser sexualizada e comercializada. Não por acaso, os registros apontam que a violência acontece majoritariamente em casa e com agressores conhecidos. A lógica que naturaliza a adultização enfraquece barreiras de proteção.
Há também um viés cultural documentado. Estudo do Georgetown Law Center on Poverty and Inequality, nos Estados Unidos, demonstrou o adultification bias. Em todas as faixas da infância, a partir dos 5 anos e de forma acentuada entre 10 e 14, adultos tendem a ver meninas negras como menos inocentes e mais maduras do que meninas brancas da mesma idade. Embora a pesquisa seja norte-americana, o Brasil compartilha estruturas raciais que produzem percepções semelhantes.
O papel das plataformas e das marcas
Plataformas precisam aprimorar verificação etária, reduzir recomendação e monetização de conteúdo que adultiza crianças e reforçar moderação e canais de denúncia. Marcas e agências devem revisar contratos com creators mirins, desestimular figurinos e roteiros sexualizantes e não impulsionar conteúdos que transformem a infância em ativo comercial. Há marco legal suficiente para responsabilização, falta cumprimento e fiscalização efetivos.
O que famílias e escolas podem fazer agora
• Adiar o smartphone próprio e acompanhar o uso na adolescência
• Não liberar telas para menores de 2 anos, observar a classificação indicativa de apps e redes
• Estabelecer regras de privacidade e evitar a postagem de imagens íntimas de crianças
• Conversar sobre consentimento e aliciamento on-line, inclusive com meninos
• Em caso de exposição indevida ou conteúdo abusivo, documentar, denunciar e não compartilhar
Serviço: como denunciar
• SaferNet, canal anônimo para denunciar conteúdos ilegais envolvendo violações de direitos de crianças na internet
• Disque 100, Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, recebe denúncias on-line e off-line
• Polícia Civil e delegacias especializadas no seu estado
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