
Quando Terry Crews apareceu ao lado da esposa, Rebecca Crews, em uma trend nas redes sociais, a reação de boa parte do público foi de confusão. “Sempre achei que ela fosse branca!”, “Ela era preta?”, “É a luz ou é outra mulher?”. O susto virou viral — e revelou mais do que estética. Revelou o quanto, ainda hoje, aparência e raça seguem sendo confundidas.
A pergunta “ela é branca?” já havia sido feita anos atrás pela personagem Rochelle, em Todo Mundo Odeia o Chris. E continua ecoando porque ainda carregamos um legado racial que classifica as pessoas pela aparência e apaga as nuances da negritude, especialmente em pessoas de pele clara. Esse legado tem nome: a regra de uma gota só, ou “one-drop rule”.
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Quem explica isso com profundidade é a pesquisadora, autora e educadora Dra. Yaba Blay, em uma conversa reveladora com a jornalista Jemele Hill no YouTube. “Raça não é natural. É uma invenção. E a única função da raça é sustentar o racismo”, afirma. Segundo ela, a regra surgiu como uma forma de manter a “pureza” branca e impedir que pessoas racialmente mistas tivessem direitos iguais. “Se você tivesse uma gota de sangue negro, você era negro. Não importava como você se parecesse. Você não era branco. E se você não era branco, você não era livre.”
“Quem Determina Quem é Negro? Dra. Yaba Blay e a Regra da Uma Gota“

A regra atravessava os documentos, a lei, o comportamento e até o olhar. Como lembra Blay, “é uma habilidade aprendida: nós fomos ensinados a ver aquela gota, a detectar sinais de negritude mesmo onde ela não é evidente. Isso é um legado da supremacia branca.”
E esse legado se desdobra em um fenômeno ainda pouco discutido com profundidade: o colorismo. A Dra. Blay explica que, apesar de muitas pessoas de pele clara serem classificadas como negras pela regra da gota, isso não significa que elas experienciam o racismo da mesma forma que pessoas negras de pele escura. Nem todas as pessoas negras são tratadas da mesma forma. A aparência importa. A cor da pele influencia a experiência. Isso é colorismo, e é real.
Ou seja: enquanto a regra de uma gota definia juridicamente quem era negro, o colorismo define socialmente quem sofre mais ou menos com o racismo.
Essa distinção é essencial para entender por que a imagem de Rebecca Crews — uma mulher negra de pele clara, que hoje aparece ainda mais clara — gera tanto desconforto ou negação da sua identidade. A branquitude, como explica Blay, não é só uma questão de ancestralidade, mas também de leitura social, de privilégio estético, de distância do estigma racial.

Um dos casos mais conhecidos foi o de Susie Guillory Phipps, que viveu como mulher branca até os 43 anos, até descobrir que era oficialmente classificada como “colorida” pelo Estado da Louisiana. Ela processou o governo — e perdeu. Isso mostra como a raça é uma construção política. Uma gota muda tudo, comenta Blay na entrevista.
Apesar da origem histórica da regra, a pergunta sobre quem é negro e quem não é continua atual. Com o surgimento de novos termos como birracial, misto ou geracionalmente misto, as novas gerações têm acesso a categorias que não existiam antes. Diante disso, Yaba Blay propõe uma reflexão: vamos continuar aceitando a regra de uma gota como critério para definir a negritude ou vamos construir nossas próprias definições? A discussão se manifesta em casos como o de Meghan Markle, cuja negritude era evidente para muitos na comunidade negra, mas não para outros, em parte influenciados por essas novas classificações identitárias.
No fim da entrevista, a autora provoca: “Vamos continuar aceitando a regra de uma gota como definição da negritude? Ou vamos definir quem somos por nós mesmos?” O desafio, segundo ela, é não apenas reivindicar a negritude em todas as suas formas, mas também reconhecer as desigualdades internas da própria comunidade, muitas delas alimentadas pela hierarquia da cor da pele.
Seu livro One Drop nasceu justamente para contar essas histórias complexas e diversas. Foi ignorado por editoras, que rejeitaram a proposta de publicar fotos coloridas de pessoas negras de pele clara. Ela então lançou uma campanha, arrecadou mais de 30 mil dólares em dois dias e publicou a obra por conta própria. Anos depois, viu o livro renascer em uma edição oficial, sem cortes, como ela sempre imaginou.
A discussão sobre quem é negro, quem parece negro e quem é lido como negro, ainda é urgente. Principalmente em tempos de estética pasteurizada e redes sociais, onde a imagem dita identidade e confunde pertencimento.
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