
Por Luciano Ramos
Nos últimos dias, uma nova declaração de Antônia Fontenelle — conhecida mais por polêmicas do que por contribuições relevantes ao debate público — reacendeu uma velha ferida: o uso irresponsável das palavras para reforçar estigmas, violências e preconceitos estruturais. Desta vez, o alvo foi a deputada federal Erika Hilton, mulher negra, trans, uma das figuras mais potentes da política brasileira atual.
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Mas não é apenas sobre Erika. É sobre o que esse tipo de fala representa e o quanto ela reverbera na saúde mental de pessoas negras em todo o país. Não se trata de exagero. É fato: discursos racistas, travestidos de opinião ou “sinceridade”, adoecem.
O racismo no Brasil não opera apenas por ações físicas ou explícitas. Ele está nas entrelinhas, nos tons, nas ironias e, sobretudo, na impunidade com que se perpetua no espaço público. Quando uma figura pública usa seus canais para deslegitimar, inferiorizar ou zombar da identidade de uma mulher negra, trans e eleita democraticamente, ela está não apenas atacando um indivíduo — mas reforçando a ideia de que corpos como o dela não merecem respeito, visibilidade ou saúde.
E isso tem consequências concretas. Pesquisas do Ministério da Saúde, da Fiocruz e de universidades brasileiras já apontaram a relação direta entre o racismo e os altos índices de sofrimento psíquico na população negra. Ansiedade, depressão, síndrome do pânico e até suicídio encontram solo fértil num cotidiano marcado por exclusões, desconfiança, hipervigilância e invalidação. Quando a cor da pele é tratada como um alvo, viver se torna um exercício diário de resistência.
No caso de Erika Hilton, estamos falando de interseccionalidades ainda mais violentas: ser mulher, negra e trans no Brasil é enfrentar, todos os dias, uma estrutura que tenta apagar, desumanizar e desqualificar a existência. E cada vez que alguém com alcance nacional reforça esse apagamento, legitima-se também a violência diária contra milhares de pessoas que se reconhecem nela.
É preciso dizer com todas as letras: liberdade de expressão não é liberdade para ofender, humilhar ou promover discurso de ódio. Há uma linha nítida entre opinião e racismo — e ela foi ultrapassada.
Mais do que indignação pontual, é necessário um movimento permanente de responsabilização. A sociedade brasileira não pode mais naturalizar o uso do discurso público como ferramenta de opressão. As plataformas digitais, o sistema judiciário, os meios de comunicação e cada pessoa que ocupa lugar de privilégio e visibilidade têm o dever de se posicionar.
Não se trata de censura. Trata-se de responsabilidade ética e histórica. Erika Hilton é alvo hoje, mas todos os dias milhares de pessoas negras, LGBTI+ e periféricas são silenciadas sem câmera, sem microfone, sem justiça.
O Brasil precisa decidir de que lado quer estar: do lado que adoece ou do lado que transforma.
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