O pacto da branquitude e a condescendência seletiva de Dani Calabresa

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O pacto da branquitude e a condescendência seletiva de Dani Calabresa
Foto: João Cotta / TV Globo e Reprodução/Redes Sociais

Texto: Luciano Ramos

O caso do humorista Léo Lins, recentemente condenado por racismo, reacendeu um debate necessário sobre os limites da liberdade de expressão, especialmente quando se trata de “humor” que humilha e violenta pessoas negras. Em meio à repercussão do caso, chamou atenção o posicionamento de Dani Calabresa, humorista respeitada no Brasil. Apesar de afirmar ser contra o racismo, Dani se posicionou contrária à prisão do colega, alegando ser a favor da liberdade no humor. Essa postura revela mais do que uma opinião pessoal: escancara o pacto da branquitude e a forma como ele opera, mesmo em ambientes progressistas ou artísticos.

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Dizer-se contra o racismo, mas se opor às consequências jurídicas que esse crime pode (e deve) acarretar, é uma forma de neutralizar sua gravidade. É como declarar apoio à causa sem querer pagar o preço de romper com os privilégios e confortos que a branquitude oferece. Quando uma mulher branca, influente e bem relacionada como Dani Calabresa afirma que não concorda com a prisão de um humorista condenado por racismo, ela colabora para a manutenção da impunidade histórica de pessoas brancas que desumanizam pessoas negras sob o disfarce da piada.

O pacto da branquitude, como definido por Cida Bento, é justamente isso: um acordo não dito entre pessoas brancas para proteger uns aos outros, mesmo diante de atos racistas explícitos. Ele se manifesta na solidariedade seletiva, na relativização da dor negra e, muitas vezes, no desconforto em ver um semelhante sendo responsabilizado. Dani não silenciou — e talvez isso seja ainda mais preocupante. Ela falou e, mesmo assim, escolheu proteger a liberdade de um colega em detrimento da justiça para com aqueles que foram alvos de seu discurso racista.

O que está em jogo não é apenas a liberdade de um humorista. É a liberdade das pessoas negras de existirem sem serem alvos constantes de piadas desumanizantes. É a liberdade de uma sociedade de dizer, com firmeza, que o racismo não será tolerado — nem nas ruas, nem nos palcos, nem nas telas. Responsabilizar legalmente quem comete racismo é um passo civilizatório. Minimizar isso sob o argumento da “liberdade artística” é um retrocesso.

A fala de Dani Calabresa se soma a uma longa tradição de condescendência branca, onde a crítica ao racismo é feita de forma genérica, mas a solidariedade concreta recai sobre o agressor. É o que chamamos de antirracismo performático: aquele que se pronuncia apenas até o ponto em que não compromete os laços de classe, de grupo ou de cor.

Dani perdeu a oportunidade de usar sua visibilidade para um rompimento real com o pacto da branquitude. Preferiu o meio-termo confortável. Mas o racismo não é um tema para concessões. Ele mata, fere, marginaliza — e rir disso não pode mais ser aceitável.

É tempo de escolher de que lado estamos: do lado da justiça ou do lado da conveniência.

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