
O Carnaval na capital mais negra fora da África e que injetou R$ 7 bilhões na economia da cidade, segundo a Secretaria de Turismo do Estado (Setur-BA), foi marcado por denúncias de trabalho análogo à escravidão. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) responsabilizou a Ambev e a Prefeitura de Salvador pela exploração de 303 vendedores ambulantes de bebidas durante o Carnaval de 2025 na capital baiana. As duas entidades foram notificadas na última quarta-feira (12) após uma fiscalização que revelou violações graves aos direitos humanos.
De acordo com informações publicadas pelos jornalistas Leonardo Sakamoto e Diego Junqueira, no Repórter Brasil, os trabalhadores enfrentaram jornadas exaustivas de 14 a 20 horas diárias, sem intervalos para descanso ou alimentação adequada, além de condições degradantes, como falta de infraestrutura para higiene e descanso. A fiscalização, realizada entre os dias 19 de fevereiro e 4 de março no circuito Barra-Ondina, constatou que os vendedores foram submetidos a condições que violam os princípios da dignidade humana. Muitos dormiam ao relento, em pedaços de papelão ou colchões encharcados pela chuva, sem acesso a banheiros ou água potável. Além disso, enfrentavam violência urbana, intempéries e privação de sono.
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O relatório do MTE aponta que os trabalhadores não tinham autonomia para escolher as marcas de bebidas que vendiam, já que a Ambev detém o monopólio da comercialização nos circuitos do Carnaval por meio de um contrato de exclusividade com a Prefeitura. Essa relação, segundo o ministério, colocava os ambulantes em “situação de total subordinação”, configurando a empresa como empregadora indireta.
A Prefeitura de Salvador, por sua vez, foi corresponsabilizada por firmar o contrato com a Ambev e por gerenciar a seleção e fiscalização dos vendedores, sem garantir condições dignas de trabalho. A gestão municipal, comandada pelo prefeito Bruno Reis (União Brasil), afirmou que não foi autuada pelo MTE e que tem adotado medidas para melhorar as condições dos ambulantes, como a isenção de taxas e a oferta de cursos de capacitação.
A Ambev, em nota, negou qualquer relação empregatícia com os vendedores, afirmando que a comercialização foi realizada por ambulantes independentes credenciados pela Prefeitura. A empresa disse que prestou esclarecimentos ao MTE e reforçou seu compromisso com os direitos humanos.
O caso ocorreu em um Carnaval que bateu recordes de turismo e movimentação econômica na Bahia. Segundo a Secretaria de Turismo do Estado (Setur-BA), 3,5 milhões de turistas visitaram o estado durante a festa, injetando R$ 7 bilhões na economia. No entanto, os números contrastam com a realidade dos trabalhadores que, segundo um dos ambulantes ouvidos pela fiscalização, “fazem o Carnaval acontecer e são escravizados”.
O MTE avalia que o número de vendedores submetidos a condições análogas à escravidão pode ser maior do que os 303 identificados, já que a fiscalização cobriu apenas parte dos pontos de venda. O relatório final do ministério deve ser concluído nas próximas semanas, com possíveis penalidades para as partes envolvidas.
Confira na íntegra as notas enviadas pela AMBEV e pela prefeitura de Salvador para o Repórter Brasil:
Ambev
Em 2025, a Ambev foi patrocinadora do carnaval organizado pela Prefeitura de Salvador. Toda a comercialização de produtos durante o Carnaval na cidade é realizada por ambulantes independentes credenciados diretamente pela Prefeitura, obedecendo às regras condicionais no edital de patrocínio, e sem qualquer relação de trabalho ou prestação de serviços com a Ambev.
Assim que tomamos conhecimento da notificação, prestamos imediatamente esclarecimentos ao MTE, fornecendo toda a documentação solicitada. Seguimos à disposição para colaborar com qualquer informação necessária. Nosso compromisso com os direitos humanos e fundamentais é inegociável e não aceitamos qualquer prática correspondente a isso.
Prefeitura de Salvador
A Prefeitura de Salvador informa que tem adotado ao longo dos últimos anos diversas medidas para melhorar as condições de trabalho dos ambulantes durante as festas populares da cidade, incluindo o Carnaval. A gestão municipal comunica ainda que não foi autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em relação a esse assunto.
Entre as ações relativas aos trabalhadores ambulantes realizadas pela gestão municipal no Carnaval, estão isentas de todas as taxas cobradas anteriormente e o cadastro 100% on-line, que acabou com as filas e trouxe mais transparência ao processo e conforto para os trabalhadores.
Também houve cursos de capacitação para os ambulantes, entrega de cestas básicas e kits de higiene, instalação de banheiros equipados com chuveiros e pontos para carregamento de celular e máquina de cobrança. Além disso, a Prefeitura acolhe durante o período do Carnaval os filhos de ambulantes cadastrados pela Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop) para trabalhar na festa. O programa Salvador Acolhe tem capacidade para atender até 600 crianças e adolescentes e foi conhecido este ano pela ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo.
Os avanços no comércio ambulante também foram ordenados pela população soteropolitana. Uma pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult), em parceria com a Ouvidoria Municipal, aponta que 96% das pessoas aprovam as ações da Prefeitura nessa área. O levantamento reuniu 5.892 pessoas.
Por entender o Carnaval como um período em que os trabalhadores ambulantes têm uma oportunidade para incrementar a renda ou até mesmo garantir seu sustento nos meses seguintes, a Prefeitura tem atuado continuamente para garantir a cada ano melhores condições para esta categoria. Mais de 4,3 mil ambulantes foram licenciados para o Carnaval, movimentando um contingente de mais de 20 mil pessoas envolvidas na comercialização de produtos nos circuitos.
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