Paulo Barros e a falácia da repetição: quando a ignorância tenta silenciar o protagonismo negro no Carnaval

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Paulo Barros e a falácia da repetição: quando a ignorância tenta silenciar o protagonismo negro no Carnaval

Texto: Rodrigo França

Reduzir os enredos afro a um clichê é não apenas desconhecer a potência da cultura negra, mas reforçar o racismo estrutural que insiste em negar à população negra o direito de contar suas próprias histórias.

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É o que se aplica as recentes declarações de Paulo Barros, que classificou os enredos afro como “todos iguais” e declarou que “ninguém entende nada”. O que ele realmente quis dizer? Porque sabemos que, quando a cultura negra ocupa um espaço central, as reações são sempre as mesmas: deslegitimar, minimizar e, se possível, apagar.

A falácia da repetição: qual história pode ser contada?

A crítica de Paulo Barros não se sustenta. Se há algo que se repete no Carnaval, não são os enredos afro, mas sim a própria estrutura racista da sociedade brasileira, que permite que um homem branco em posição de poder determine quais histórias são válidas. O que ele chama de “repetição” é, na verdade, um processo de recontar histórias que foram silenciadas por séculos.

Nenhum historiador ousaria dizer que toda ópera europeia é igual por abordar reis, deuses e guerras. Nenhum cineasta descartaria os filmes de Hollywood por, há décadas, revisitarem as mesmas narrativas de heróis, tragédias e amores impossíveis. Mas quando falamos de matriz africana, as regras mudam. De repente, tudo vira “igual”, tudo é reduzido a um grande bloco indistinto, sem nuances, sem diversidade.

A pluralidade das culturas afro-brasileiras está na essência do Carnaval. Os enredos vão de reis africanos a mães de santo, de quilombolas a poetas negros, de divindades a anônimos que desafiaram a estrutura colonial. Quem realmente assiste aos desfiles e entende o que está sendo contado sabe que cada narrativa carrega uma história única e necessária.

A colonização do olhar e o desconforto branco

O que Paulo Barros chama de “ninguém entende” talvez seja apenas um espelho do que ele próprio não consegue ver. O olhar branco que domina o Carnaval há décadas foi moldado para enxergar apenas a estética da cultura negra, nunca seu significado. O samba pode existir, desde que não questione. A bateria pode tocar, desde que não se torne protagonista. A cultura negra pode ser celebrada, mas sempre a partir da lente de quem a exotiza, nunca de quem a vive.

Ao afirmar que os enredos afro são repetitivos, Barros revela que sua referência de inovação no Carnaval ainda está enraizada em um imaginário eurocêntrico, onde o “novo” precisa se parecer com algo que ele já conhece e entende. Sua declaração não é uma análise crítica do Carnaval; é uma reafirmação da branquitude como única mediadora do que merece ou não ser contado.

Reparação e protagonismo negro no Carnaval

O Carnaval carioca, que hoje conhecemos, não nasceu no alto dos carros alegóricos de estética futurista, mas nas rodas de samba formadas por negros e negras que transformaram dor em celebração. A tradição dos enredos afro não é uma moda, nem uma tendência, mas uma necessidade histórica de recontar a trajetória de um povo que foi apagado dos livros, das praças e dos palcos.

O mais cruel dessa narrativa é que Paulo Barros sabe disso. Como todos os grandes nomes do Carnaval, ele constrói suas alegorias sobre o suor de artesãos, músicos, passistas e mestres-sala, a maioria negros, que são a espinha dorsal dessa festa. Mas, no momento de valorizar as histórias que deram origem ao espetáculo, sua crítica é uma tentativa de silenciar o protagonismo negro e manter as velhas estruturas de poder.

As declarações do carnavalesco são apenas mais um capítulo de um longo histórico de resistência da cultura negra contra aqueles que tentam apagá-la ou controlá-la. O problema nunca foi a repetição dos enredos, mas a recusa de muitos em aceitarem que o Carnaval não pertence mais apenas a eles.

Talvez Paulo Barros devesse se perguntar por que ele não entende esses enredos, enquanto milhares de pessoas negras os compreendem com naturalidade. Talvez seja hora de perceber que não é a cultura afro-brasileira que precisa mudar, mas o olhar branco que insiste em limitá-la. Porque, goste ou não, os enredos afro continuarão a ser contados, e o verdadeiro desafio não é quem os escreve, mas quem está disposto a ouvir.

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