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Não é de hoje que o senso comum se serve da psicanálise para emoldurar questões do cotidiano, reconhecendo no fenômeno psicanalítico uma base mais ou menos “segura” para as elucubrações do dia a dia. Pode-se dizer que essa é uma proposição idealista de Freud, que condensa em seus textos, argumentos que se revelam no âmbito do comportamento e dos costumes, proximidade com as ações do cotidiano. Moral, ética, política, sociedade estão intrincadas nas entrelinhas e paráfrases da psicanálise, pois tais conceitos formalizaram essas teorias. Por isso mesmo é preciso entender que o contexto, onde a psicanálise acontece, não pode ser suprimido. Sendo assim, é necessário levar em consideração o tempo, o espaço e as necessidades existenciais que estavam interseccionadas naquele momento.
Se por um lado, a psicanálise pode nos dar pistas, servindo de ferramenta de análise social e política; é preciso ter cuidado com a falsa sensação de douto-saber que a teoria pode exacerbar em alguns sujeitos. Ela sabe – Sim! – sobre a estrutura eurocêntrica que foi criada. Sobre as críticas que teceu em relação a esta estrutura. Sabe também, sobre as possibilidades de atuação na diminuição do sofrimento psíquico de determinados indivíduos. Mas ela, por si só, nada sabe das especificidades e das singularidades que emergem das relações mais ou menos identitárias propostas hoje na sociedade para os indivíduos, para dizer o mínimo. Não há conhecimento psicanalítico capar de sustentar sozinho o horror da escravidão e a atualização do racismo e do preconceito no cotidiano das pessoas não brancas e/ ou possuidoras de corpos dissidentes. É um conhecimento branco, forjado na estrutura patriarcal, hetero-cis, por assim dizer. Para que consiga servir de ferramenta de análise no contexto social que vivemos hoje, precisa se enegrecer. Se contaminar, colocando-se à disposição de uma possível metamorfose. Esses engendramentos só são possíveis a partir de lugares de FALA diversos. É necessário que lugares de escuta atentas de indivíduos que atuam, juntamente com a branquitude neste lugar de opressores, sejam criados.
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Grada Kilomba, no programa Roda Viva (2024), traz uma definição muito didática do que é o silenciamento. Mais do que impedir alguém de falar, é impossibilitá-la de ser ouvida. Aqui me beneficiarei do conceito de Subalterna, também de Grada, para manter o gênero no feminino. É sob esta doma construída por ela, Fanon, bell hooks, Angela Davis, Lélia Gonzales, Virgínia Bicudo que me identifico como mulher, negra, periférica, psicanalista e militante de um movimento antirracista cotidiano e contracolonial. E nesse sentido, proponho um exercício de ação performativa (Butler, 2019) para a branquitude, contrapondo o lugar de CALE-SE, proposto por Maria Rita Khel em recente entrevista à TV Brasil: lugar de ESCUTA.
Cara professora, ouça quem fala de um lugar que, mesmo conhecendo todas as atrocidades feitas pela branquitude aos corpos não brancos e/ ou dissidentes, os consideram como humanos, a ponto de despender tempo precioso a uma resposta polida ao seu lugar de CALE-SE, que nos foi proposto. É preciso entender que não há lugar de CALE-SE para quem é silenciado. Não há crítica válida à fala da Subalterna, pois ela não tem lugar de escuta da branquitude. De outro modo, o que justificaria uma mulher que se identifica como branca, de classe média, descendentes de alemães, propor um silenciamento explícito a um movimento que não conhece, dialoga e quiçá respeita? Descrevendo-o com todos os estereótipos opressores, dos quais me recuso a citar, Khel potencializa em seu discurso a força de silenciamento sobre a Subalterna. Vindo de qualquer lugar, essa ação já seria de posição equivocada. Vindo da psicanálise é inaceitável, por assim dizer, considerando que todo o saber psicanalítico emana da escuta.
É por isso que reafirmo a proposição da ação performadora estratégias de ampliar o “laço social” citada em dada entrevista, no sentido da escuta. A branquitude precisa escutar mais, falar menos e não silenciar ninguém. A construção desse laço social citado por Khel, deve começar pela escuta. Nesse sentido, é preciso que veículos como TV Brasil, pagos com dinheiro público, tenham espaços de escuta para todas as falas e vozes diversas. Pessoas com anos de expertise em ações antirracistas, comprometidos mais ou menos com a (des)construção da psicanálise; nomes como Deivison Faustino, Mônica Gonçalves, Renato Nogueira, Jaciana Melquiades, Sueli Carneiro, Conceição Evaristos, Douglas Barros, Lourenço Cardoso, entre outros, sejam escutados. Estamos falando e não vamos parar até que o silenciamento cesse. A Subalterna falará até que possa ser ouvida. A psicanálise será atravessada pelos saberes ancestrais, até que cada singular possa ser contemplado pelo acolhimento. Escute aqui, branquitude! Há um lugar amoroso para sua dor narcísica. Mas é preciso que se rompa o pacto!
Vanessa Rodrigues – Professora e Psicanalista Clínica @vanrodrigues.psi
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