Em menos de 3 meses fará 4 anos que o assassinato de George Floyd parou o mundo. Em 25 de maio de 2020, o afro-americano foi morto por um policial de Minneapolis, nos Estados Unidos, que pressionou o joelho contra seu pescoço por quase nove minutos. O crime desencadeou protestos globais e destacou questões da brutalidade policial e do racismo sistêmico em todo mundo.
Até hoje esse fato é apontado como um grande momento na história da humanidade onde o racismo contra pessoas negras foi reconhecido como um fator de atraso social, político e econômico na vida deste grupo e diversas iniciativas surgiram ao redor do mundo no sentido de tentar oferecer algum tipo de reparação. Obviamente, nada do que foi feito chegou perto de qualquer tipo de reparação histórica que minizmie os danos do holocausto negro, que no Brasil durou quase 400 anos e antes que alguns avanços pudessem ser celebrados, as iniciativas de igualdade racial, sofreram cortes severos. Vale lembrar que em 2023, a Suprema Corte Americana derrubou as cotas raciais nas universidades
Notícias Relacionadas
Juliana Alves reflete sobre 21 anos de carreira: "Conquistei respeito e reconhecimento que não tinha antes"
"Aos 50, quem me aguenta?", Edvana Carvalho fala sobre negritude, maturidade e o empoderamento feminino em seu primeiro solo no teatro
Floyd foi mencionado algumas vezes durante o encontro de mulheres brasileiras no evento do Pacto Global – Rede Brasil da ONU , realizado em Nova York nos dias 13 e 14 de março. O “evento paralelo” foi parte da programação da 68ª edição da Comissão de Situação da Mulher (CSW), o maior evento de equidade de gênero do mundo.
Durante a mesa Giselle dos Anjos Santos, Historiadora e Pesquisadora Especialista em Interseccionalidades do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), reconheceu a importância das manifestações de 2020, mas lembrou que antes disso o ativismo do movimento negro já havia causado impactos no sentido de trazer uma reflexão de como as estruturas sociais compactuam com o racismo, e alguns frutos também foram colhidos.
“Não podemos esquecer o quão significativo tem sido essas tentativas de mudanças. Em alguns momentos eu fico até me perguntando se faz sentido a gente dizer que realmente essas políticas afirmativas dentro das instituições, especialmente considerando a pauta racial, começaram a partir do caso do George Floyd. De fato, a gente entende que mudou muito, mas antes disso, já tinham muitas instituições, ainda de forma tímida, trabalhando com o tema”.
NADA É PERMANENTE, NEM O RETROCESSO
Após a mesa na ONU, conversamos com Giselle Santos e Edilza Sotero, Cientista Social, pesquisadora do CEERT e professora da Universidade Federal da Bahia.
Demissões em departamentos de Diversidade e Inclusão, cortes em projetos com foco na comunidade negra e questionamentos sobre a continuidade de ações afirmativas têm trazido tensões nas rodas negras do meio corporativo e acadêmico.
Giselle reforça que apesar da relevância das ações sociais antirracistas de 2020, é preciso reconhecer quem veio antes. “A luta do Movimento Negro é histórica e precisa ser reconhecida e valorizada, porque se a gente avançou de alguma forma em termos de promoção da equidade na sociedade brasileira foi também por conta da intervenção, da construção e da contribuição dessas organizações. E aí eu gosto, inclusive, de enfatizar que o Movimento Negro, como diz a própria Nilma Lino Gomes, do Movimento Negro Educador, que ele não constrói uma luta para favorecer unicamente o grupo da população negra, pelo contrário. Essa luta atinge toda a sociedade”.
A intelectual reconhece os esvaziamentos das pautas raciais nos espaços de poder, mas ela volta à história para trazer uma reflexão de que não é a primeira vez que a sociedade anda para trás sobre questões étnicos raciais.
“O CEERT, por exemplo, é uma dessas instituições que há mais de três décadas promovem a equidade racial e de gênero, especialmente dentro das instituições, promovendo uma política de promoção da equidade racial, interseccionada com o gênero, construindo censos, construindo uma metodologia, a partir da nossa metodologia de trabalho que visa construir uma outra cultura, uma dinâmica onde as pessoas negras não só possam estar, mas estar de forma que não seja pautada por uma lógica de violência. A gente reconhece que está havendo um enxugamento das pautas de diversidade, mas eu acredito que existe um movimento que ele é contínuo, mas que ele não é linear. Quando a gente pensa as ações de modo geral, a política e a dinâmica social, na verdade, a dinâmica social não é linear. Vai existir um movimento de avanço, assim como vai existir um movimento de retrocesso, porque faz parte de uma lógica, inclusive dialética, da sociedade. Assim como o avanço é um movimento que aconteceu dentro das empresas e agora está retrocedendo, essa também é a impressão da própria dinâmica da sociedade brasileira, que avançou nos últimos anos em relação à pauta racial e de gênero”, reflete a historiadora.
Entender que o interesse social por questões raciais vai e volta ao longo da história é algo importante que reforça a necessidade de se estar sempre preparado para para mudanças, mas principalmente ter a consciência que a luta não pode ser cíclica.
“É fundamental para que a gente não esmoreça no processo, para que a gente efetivamente entenda que a pressão tem que ser contínua. Porque inclusive quando a gente dá passos e avança, a gente acha que pode recuar ou relaxar. A sociedade precisa caminhar para frente sem retroceder sobre nossos direitos”, completa Giselly.
AS MULHERES NEGRAS MANTÉM A ESQUERDA À ESQUERDA
“Acredito que há, de fato, um crescimento no conservadorismo, mas ao mesmo tempo observamos um aumento na representação negra por diversos motivos. Falamos muito sobre George Floyd, mas muitas vezes esquecemos de Marielle Franco. Infelizmente, hoje estamos lembrando os seis anos de seu assassinato. Após este momento em que Marielle se tornou uma semente, uma ancestral, ela impulsionou muito o movimento de mulheres negras na política, que estava conectado a ela, bem como aquelas que não estavam. Além disso, houve um esforço contínuo por parte das mulheres negras para convencer os partidos políticos de que elas são sim candidatas viáveis”, reflete a cientista social, Edilza Sotero.
O conservadorismo também é um movimento social cíclico, mas para a pesquisadora os movimentos sociais estão bem firmes.
“O conservadorismo é um movimento que vai e volta, mas nos Estados Unidos, por exemplo, a gente tem uma bancada, que é uma bancada do Partido Democrata, com pessoas que são negras, de origem latina, de origem árabe, que estão também colocando na política um discurso onde não admitem ser deixados de fora. No Brasil, lembro de Vilma Reis, deputada baiana, que diz uma frase que é maravilhosa: ‘é preciso mudar a fotografia do poder’. Não dá mais para tirar aquelas fotos da chapa, que está todo mundo branco, todo mundo do partido branco, e aí mudar a fotografia também a gente conta uma história que está atrás dela, não é só o momento da foto, mas como é que a gente muda a história que está constituída para que aquela foto exista. Nós mulheres negras somos a esquerda. É a gente que puxa a esquerda para a esquerda. É a gente que puxa os debates que precisam ser feitos para que eles estejam na pauta. Então eu acho que é um momento de apreensão, mas é um momento de reafirmar que nós temos respostas. A gente não é só voto. A gente tem resposta para a política e para a sociedade, para a mudança que a gente quer”, finaliza Edilza.
Notícias Recentes
OMS mantém status de emergência global para mpox
"Seguimos também batalhando por reparação", diz Anielle sobre desculpas à escravidão do Governo