Refletir sobre o legado, o presente e o futuro da população afro-brasileira deveria ser o ponto de partida para uma ação antirracista. Mas será que os discursos de equidade racial, tão frequentes nas cartilhas de ESG das empresas, estão orientando as práticas do dia a dia?
Um recente estudo do Insper revelou que trabalhadores negros com nível de escolaridade semelhante ao dos brancos ganham, em média, 13% menos. Os dados são de 2021, mas essa condição persiste há 40 anos: em 1982, quando a série teve início, o percentual era de 13,6%.
As diferenças são ainda mais profundas quando se trata de gênero. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, no primeiro trimestre de 2023, a remuneração média das mulheres negras correspondia a 48% dos ganhos dos homens brancos e a 62% das mulheres brancas.
Mais que um convite para refletir, é importante propor às empresas um chamado para a ação. Não podemos deixar que o compromisso com a redução das desigualdades, que afeta principalmente a população negra, permaneça apenas no papel. O antirracismo precisa ganhar o status de pilar fundamental na cultura e estratégia corporativa. Não se trata de uma opção, mas sim de uma responsabilidade coletiva.
Promover e incentivar um espaço de aquilombamento é opção acolhedora que fortalece as relações institucionais. O Coletivo Pretas B, proporciona segurança e voz para as discussões sobre a experiência da mulher negra no ambiente corporativo, colabora no sentido de mapear e conectar mulheres pretas e pardas, servindo como fonte inestimável de oportunidades e crescimento profissional. Outra ação que reflete o compromisso com a agenda negra é promover parcerias. O Sistema B Brasil vem construindo uma forte relação como o Pacto de Promoção da Equidade Racial. Por meio do Protocolo ESG Racial, as empresas são convidadas a priorizar ações de inclusão, investindo em profissionais negros.
O movimento por uma economia com mais equidade não termina aí. Entendemos como fundamental não apenas a equiparação de salários e cargos nos seus ambientes internos, mas também a adoção de medidas reparadoras nas comunidades onde esses profissionais estão inseridos.
O tema da vez, justiça climática, tem levantado o debate sobre como o aquecimento global afeta as periferias. Secas, enchentes, deslizamentos e outros desastres naturais atingem muito mais pessoas negras, quilombolas, indígenas e ribeirinhas, comunidades marginalizadas historicamente.
No combate ao racismo ambiental, também é fundamental incentivar o consumo de produtos de empreendedores negros e da periferia, contribuindo com a narrativa do “blackmoney” para conscientizar o consumidor sobre seu papel ativo na reparação de um sistema injusto. Comprar de negócios negros é mais que uma transação, é um ato de resistência, respeito e reconhecimento.
É possível colocar a pauta antirracista para além do discurso. Investir em boas práticas voltadas para a equidade racial deve se tornar um ativo indispensável no mundo corporativo. A visão que queremos encontrar nas lideranças das empresas deve estar comprometida com um Brasil onde a cor da pele não determina o destino de uma pessoa ou afeta cada passo que ela dá na direção dos seus sonhos.
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*Priscilla Arantes é gerente de comunicação do Sistema B Brasil, e articuladora do Coletivo Pretas B, um projeto que apoia mulheres negras na rede do Sistema B Brasil por meio de mapeamento, mentoria, consultoria e capacitação, e fundadora do Instituto Afroella.