Ao querer enfrentar o racismo, CBF dá aula do que não fazer em uma gestão de riscos sociais reputacionais

Texto: Viviane Elias Moreira

Em 24 de agosto de 2022, a Confederação Brasileira de Futebol realizou um seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol, como um marco de um novo momento contra o preconceito no esporte. “Fiz questão de realizar esse evento aqui na sede da CBF para mostrar ao mundo do futebol e aos preconceituosos que ainda frequentam os estádios do país e do mundo, que estamos lutando para bani-los. Sabemos que a realidade é dura. Mas estamos aqui para mudar”, disse o Presidente da CBF, o sr. Ednaldo Rodrigues. 

Ações práticas adotadas pós seminário: 

  • Em 14 de fevereiro de 2023, A CBF instituiu punições por racismo em competições brasileira, que se resumem em:  advertência, multa administrativa, vedação de registro ou de transferência de atletas, perda de pontos, em relação a clubes por infração e só depois de passar por uma comissão que a CBF vai instituir*. 6 meses após o seminário.
  • O grande e oficial posicionamento da CBF quanto os casos de racismo sofridos pelo jogador Vinicius Junior ocorreram somente em 21 de maio de 2023. 8 meses após o seminário realizado e no mínimo 4 meses depois do começo dos primeiros ataques públicos ao jogador.
  • Com a frase “Com racismo não tem jogo”, no dia 17/06/23, a CBF utilizou o amistoso Brasil x Guiné, realizado na Espanha, para adoção de várias “ações” contra o racismo (utilização da camisa preta da seleção pela primeira vez, em 109 anos de história; adesivação do estádio; protocolo de jogo em preto e branco; vídeo no telão de combate ao racismo antes dos jogadores entrarem em campo; 1 minuto de silêncio e regressiva de 10 segundos  para o apito inicial mostrando mãos de atores negros**).  O que foi relevante deste jogo: um representante negro da equipe de Vinicius Junior foi vítima de racismo por parte de um dos seguranças do estádio que lhe apontou uma banana e afirmou que aquela era uma “arma que seria usada contra ele” (ato flagrado e testemunhado por jornalistas no local) e total ausência de crianças negras na entrada com os jogadores em campo: “Num jogo em que é para ser uma bandeira contra o racismo. Não há uma criança negra junto com os jogadores” (fato observado por uma das principais vozes da luta antirracista no futebol, o grande jornalista PC Vasconcellos). 10 meses após o seminário realizado

 

A empresa CBF hoje é o case que você precisa para mostrar para sua empresa do potencial de impacto que o Diversity Washing é capaz de causar para o risco social reputacional da sua empresa. E complemento: as empresas brasileiras não estão preparadas para esta conversa. 

 

Primeiro porque utilizam o termo Diversity Washing para falar sobre concorrentes ou casos externos, mas não se preocupam em entender que fazem a mesma coisa em sua cultura organizacional, utilizando grupos de afinidades como arcabouços de ideias, que, muitas vezes são ignoradas ou sintetizadas em programas de mentorias internas com começo e sem fins e cursos rasos sobre a importância de se falar sobre diversidade e inclusão em universidades corporativas. Importante ressaltar que o termo Diversity Washing foi patenteado no Brasil pela Liliane Rocha, autora do livro Como ser um líder inclusivo e muitas vezes é utilizado sem o devido crédito (ação de apagamento que é uma micro agressão clara para uma mulher negra e é um exemplo de como o Diversity Washing atua).  


Segundo que as áreas de gestão de riscos das empresas, quando levam em conta a questão do risco social, as perguntas direcionadas por estes profissionais estão centralizadas em perda de mão de obra técnica e/ou ausência de funcionários ligados a funções estratégicas decorrentes de doenças, pandemias ou greves. 

 

Não há a pergunta de milhões: quais os riscos para sua empresa em não ter uma equipe com diversidade? E não há como ter esta pergunta: quantas áreas de gestão de riscos, compliance ou resiliência corporativa que você conhece que são diversas? A falta de olhar de pessoas diversas nos processos são o principal ponto para os riscos sociais se tangibilizar nas  empresas. No case CBF, que ninguém, realmente, não notou que não havia crianças negras em meio a no mínimo 22 crianças não negras que estavam por lá? 

 

E aí que o case CBF se mostra o puro suco do que se não fazer em uma gestão de riscos sociais reputacionais: eles poderiam ter o olhar mais apurado e coerente com a causa racial há muito tempo. E dados eles têm de monte: o Observatório da discriminação racial no futebol, lançou em 2021 o 8º relatório sobre discriminação racial no futebol. Sim, OITAVO.  Há dados compilados de casos de discriminação racial no futebol desde 2014, inclusive com indicadores interessantes sobre casos de xenofobia, machismo e LGBTfobia, comparados Brasil e mundo.

 

Lembra ou não lembra aquele censo de diversidade que sua empresa fez no passado e até hoje não divulgou os números ou está trabalhando internamente na base operacional para mostrar o aumento dos indicadores de profissionais negros? Há também a questão de se preocupar com o marketing com frases prontas como: é uma longa jornada para conseguirmos virar o jogo. Os CNPJs adoram esta frase. 

 

Pois, para que você entenda querido cnpj, a jornada que foi longa, vai precisar ser curta porque quem estará acompanhando o seu posicionamento são as pessoas impactadas nesta jornada longa que vão literalmente desistir de vocês. Quer o exemplo do case CBF? Notem a quantidade de pessoas que não assistem mais aos jogos da seleção brasileira e estão migrando para esportes como o basquete, onde houve uma ação imediata por parte dos jogadores com relação a questões raciais nos últimos anos. 

 

Se a sua empresa não começar a se preocupar com as consequências de ignorar as ações de correções imediatas que são necessárias para as questões de riscos sociais reputacionais ligados a diversidade, em especial a questão de diversidade racial em nosso país, mas cases como estes serão cada dia mais incorporados como rotina no imaginário da população brasileira. 

 

Nós, como negros, estamos há 131 anos tentando convencer as pessoas sobre as consequências que o sistema escravocrata deixou de sequelas em nossas estruturas pessoais e corporativas e não podemos permitir que os CNPJs criem evoluções destas micro agressões que sofríamos no passado, disfarçada de S de ESG, como esta que foi eternizada para sempre em cadeia nacional com a ausência de possibilidade de uma criança negra ser reconhecida ao lado dos seus ídolos do futebol. Quer saber as consequências? Leia a minha coluna do mês anterior que estão todas descritas por lá.  

 

Aqui vão meus sinceros agradecimentos e respeito ao Vini Junior (que é a esperança negra de luta antirracista para uma legião de crianças negras periféricas que querem um dia ser como ele), a equipe que “faz a mágica acontecer” do Observatório da discriminação racial no futebol (vocês são fera e uso a camiseta de vez sempre que consigo), ao eterno ídolo Aranha (que não desiste nunca e quem ainda não leu, leia  o Brasil Tumbeiro) e claro, ao mestre incansável, Paulo Cesar Vasconcellos (que foi um dos primeiros jornalistas negros que ouvi a falar sobre as questão racial de foram aberta e coerente neste país).

 

COMENTÁRIO COMPLEMENTAR: sim, mulheres pretas gostam de futebol e eu sou uma delas. Por favor, vamos dar nosso apoio a seleção feminina de futebol na próxima copa do mundo. Elas merecem o nosso respeito em dobro. 

 

Fonte: Acesso em 20/06/2023_14:00h

*https://ge.globo.com/futebol/noticia/2023/02/14/cbf-institui-punicoes-por-racismo-em-competicoes-brasileiras.ghtml

**https://www.terra.com.br/esportes/brasil/amistoso-brasil-x-guine-tera-uma-serie-de-manifestacoes-contra-o-racismo,22a7abe967961570bc82c10a6428123eqnfyyitz.html

***https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/index/ednaldo-rodrigues-abre-seminario-contra-o-racismo-estamos-aqui-para

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