Texto: Ivair Augusto Alves dos Santos
Em São Paulo fomos brindados com o espetáculo teatral “Dolores – Minha composição”, que registra a vida de uma das mais importantes cantoras e compositoras negras da história da música brasileira: Dolores Duran (1930-1959). Um espetáculo de dramaturgia e atuação de Rosana Maris, com a direção de Luiz Fernando Marques. Que beleza, muita emoção.
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Ficamos durante o espetáculo inteiro nos perguntando por que não falamos mais dessa mulher negra, que era uma intelectual, brilhante letrista, com uma sensibilidade inigualável. Dolores Duran é hoje ainda a compositora mais gravada do país. Um prodígio, um gênio, dessas personalidades difíceis de explicar, que faleceu precocemente aos 29 anos.
Rosana Maris fez uma majestosa, singela e bela interpretação. Como é lindo ver a garra de uma atriz negra em ação. Nos enche de orgulho e admiração. Fico imaginando o quanto essa mulher deve ter trabalhado para escrever esse texto e convencer os produtores da viabilidade do espetáculo sobre Dolores Duran.
As novas gerações não têm a dimensão da grandeza, da beleza daquela mulher, muito à frente do seu tempo, autodidata, poliglota. Muito jovem tornou-se independente economicamente. Aos 18 anos, começou a cantar nas mais badaladas casas noturnas cariocas, para manter sua família.
Uma mulher corajosa, que viveu intensamente seus amores, namorou com quem quis, trabalhou com quem gostava, não tinha medo de ser feliz e de se apaixonar, isso na década de 1950.
Com belos versos, criou um gênero coloquial e feminino de cantar o amor que ficou na história das mais belas canções brasileiras, como a música “A noite do meu bem”:
Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
E a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem
Ah, eu quero o amor, o amor mais profundo
Eu quero toda a beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem
Dolores Duran, para sobreviver no mundo da música, enfrentou e superou diversas situações de racismo, mas nunca se permitiu não amar quem quer que seja.
Ella Fitzgerald, durante sua passagem pela bela cidade do Rio de Janeiro, nos anos 1950, entusiasmou-se com a interpretação da cantora brasileira para a canção My Funny Valentine, dizendo que foi a melhor que já ouvira.
Compôs as músicas “Se é Por Falta de Adeus, “ Por Causa de Você” e “Estrada do Sol” em parceria com Tom Jobim. Foi também parceira de Chico Anysio, Edson Borges e tantos outros
Hoje fica difícil citar um artista que não tenha regravado as músicas de Dolores Duran: Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Wilson Simonal, Marisa Monte. Cauby Peixoto, Elizeth Cardoso, Martinho da Villa, Angela Ro Ro, entre tantos outros.
O mais importante do espetáculo “Dolores – minha composição” é o resgate histórico da compositora, da mulher que adorava a noite e que serviu de referência para as cantoras brasileiras e de muita inspiração para as mulheres negras. Parabéns, Rosana Maris, pela defesa da memória de nossa ancestralidade.
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